20111224

Uso inadequado das redes sociais aumenta casos de "fogo amigo".

Em março do ano passado, Alex Glikas agiu como um torcedor típico ao celebrar a vitória por 4 a 3 do seu time, o Corinthians, contra o São Paulo. Durante a partida, postou no Twitter comentários de apoio à equipe e também algumas provocações aos adversários. Parece ter momentaneamente esquecido que no dia seguinte, uma segunda-feira, voltaria à rotina de diretor comercial da Locaweb, empresa de hospedagem de sites que era justamente uma das patrocinadoras do São Paulo no clássico - havia pago R$ 600 mil pelo direito de ostentar a marca nas mangas do uniforme naquela e na partida seguinte do tricolor.

Quando se deu conta do potencial devastador das brincadeiras, Glikas tratou de apagá-las, mas já era tarde. As mensagens haviam sido replicadas por uma legião de torcedores enfurecidos com o fato de o diretor de um patrocinador estar torcendo abertamente para o adversário - e de forma considerada desrespeitosa por muitos. Protestos percorreram rapidamente as redes sociais e foi sugerido até um boicote à Locaweb, que se viu obrigada a emitir um comunicado oficial pedindo desculpas pelas atitudes do diretor, que "deu a muitas pessoas a impressão de que a sua opinião pessoal era a opinião institucional da empresa".

O próprio executivo correu para se desculpar pelo Twitter, alegando que, "no calor do clássico, o torcedor tomou conta do profissional". Apesar do arrependimento, o clima ficou carregado e empresa e empregado chegaram ao consenso de que seria melhor ele deixar a casa, onde trabalhava havia quatro anos. Oito meses depois, quando a poeira já havia baixado, Glikas foi convidado a retornar ao cargo. "Começamos a receber pedidos de clientes pela volta do executivo e chegamos à conclusão de que o episódio não interferiu nos bons trabalhos que ele oferece à Locaweb", diz o gerente institucional da empresa, Luiz Carlos dos Anjos.

Ficou, contudo, o aprendizado. Logo depois do ocorrido, a Locaweb procurou consultores que ajudaram a empresa a produzir um guia sobre boas práticas nas mídias sociais, replicado para todos os funcionários e evocado diariamente desde então. Foi criado também um treinamento específico sobre o tema para os novos contratados. "Mesmo com toda a confusão, nunca passou pela nossa cabeça proibir o uso de redes sociais. Somos uma empresa de internet e continuamos incentivando o uso desses recursos pelos nossos colaboradores", diz Anjos.

Há também todo o aprendizado pessoal pelo qual passou o protagonista do episódio. "É impressionante a velocidade com que a informação circula atualmente. Percebi que no momento em que você clica 'enviar', em poucos segundos dezenas, centenas ou milhares de pessoas têm acesso à sua opinião", diz Glikas. Ainda traumatizado com a repercussão do episódio, ele se mantém afastado do Twitter - do qual era usuário compulsivo - e preferiu não aparecer em uma foto para esta reportagem, por saber o quanto há de insanidade na paixão futebolística. "Na internet, não há separação entre o que é pessoal e o que é profissional. É muito fácil se esquecer que você não está falando somente para os seus amigos e que, na rede, não pode se deixar levar por paixões ou emoções do momento. Trata-se de um local público", acrescenta.

Casos de "fogo amigo" como esse, em que o funcionário não tem a intenção, mas acaba prejudicando a empresa em que trabalha, tornaram-se bem mais comuns com o advento das redes sociais. Segundo a consultora Andrea Huggard-Caine, essas novas ferramentas de comunicação se difundiram com muita velocidade e as pessoas da geração anterior não tiveram tempo para se adaptar gradualmente. As mais jovens, por sua vez, não têm a referência de como as coisas funcionavam antes e acham tudo isso normal. "Muitas estão aprendendo da forma mais dura que ser transparente não significa escrever tudo o que vem à cabeça."

Ela diz que cabe às empresas estabelecer normas claras sobre a postura que espera dos colaboradores, a exemplo do que fez a Locaweb após sofrer na pele as agruras do uso inadequado das redes sociais. "Em muitos casos, é preciso dar parâmetros de comportamento que os pais não deram em casa. Os jovens de hoje têm dificuldade de entender o que é confidencialidade", diz Andrea, citando como exemplo um caso bastante conhecido no mercado: o de um jovem que, entusiasmado por ter participado da reunião de fechamento do balanço da empresa em que trabalhava, correu para o Facebook para, ingenuamente, divulgar os números em "primeira mão". O fato gerou uma multa considerável por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e causou a demissão do rapaz.

Maria Cecília Coutinho de Almeida, especialista em ética empresarial da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda que o problema é sobretudo de educação. "O público que mais frequenta as redes sociais está na faixa entre 18 e 30 anos. São pessoas que, em geral, ainda não estão maduras profissional e humanamente", diz Maria Cecília. "As empresas têm que pegar esses colaboradores pela mão e mostrar o que é certo e o que é errado, sem a expectativa de que elas vão perceber isso por conta própria", acrescenta.

Se os comentários que podem trazer constrangimentos indiretos à empresa já são condenáveis, críticas diretas à organização ou ao chefe são pecados mortais para a vida profissional. Na Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas (FGV/Eaesp), esse tema entrou em pauta durante as discussões para criação de um novo curso de educação executiva, o MBM, voltado a jovens formados há no máximo três anos. "Nas redes sociais, esse tipo de comportamento ganha um potencial muito maior e mais destrutivo", diz José Ernesto Lima Gonçalves, coordenador dos cursos de especialização em Administração da FGV/Eaesp.

"Que o funcionário fala mal da empresa e do chefe não é novidade", acrescenta Vandyck Silveira, CEO do Ibmec, outra importante escola de negócios. "O que não se pode de jeito nenhum é fazer isso em lugares públicos, sejam eles elevadores, saguões de aeroportos ou redes sociais". Luca Borroni, diretor de educação executiva do Insper, diz que as empresas têm aceitado e fomentado as críticas que circulam internamente, mas não toleram que seus colaboradores "lavem roupa suja" em público. "E elas têm razão, pois se trata de uma quebra de confiança."

Ao desenvolver o currículo do seu MBA em marketing, a HSM Educação, recém-criada escola de negócios, fez questão de centrar as discussões nas demandas nascidas do ambiente digital. "Um dos focos é justamente ajudar as organizações a lidar com essas questões", diz a coordenadora do curso, Martha Gabriel. Ela considera que estamos, de certa forma, revivendo os tempos em que surgiram os e-mails, na década de 1990. "Muita gente foi demitida na época por uso inadequado da ferramenta, até que as empresas finalmente estabeleceram normas claras e as pessoas se adaptaram". O agravante das redes sociais é que as opiniões e informações tendem a se eternizar no mundo virtual. "A palavra escrita tem muita força, com o agravante de que na internet tudo sai do contexto. Uma mesma piada que faz seus amigos rirem descontraidamente ao redor de uma mesa pode causar constrangimento ao ser encontrada na rede", compara Martha.

Empresas de tecnologia também sofrem com o problema.

O chamado "fogo amigo" - quando o funcionário não tem a intenção, mas acaba prejudicando a empresa no qual trabalha - tem atingido em cheio até mesmo as companhias diretamente ligadas ao fenômeno das redes sociais. Dois episódios internacionais ocorridos em outubro evidenciam isso. No primeiro deles, um engenheiro do Google nos Estados Unidos, Steve Yegge, tornou público, supostamente por engano, uma crítica sobre o Google+, a rede social da empresa.

No texto, ele classificava o serviço como uma "patética ideia tardia" e não poupava elogios aos concorrentes. Tratava-se de uma crítica interna que deveria ter sido enviada a um grupo restrito, mas Yegge se confundiu e acabou enviando seus comentários para cerca de 7 mil pessoas - a partir daí, ganhou rapidamente o mundo. O funcionário do Google se desculpou publicamente e agradecia por ter o emprego poupado, embora estivesse sendo obrigado a ouvir todo tipo de piada.

Já Samuel Crisp, funcionário de uma loja Apple na Inglaterra, não teve a mesma sorte. Em uma página privada do Facebook, ele criticou - recorrendo a vários palavrões - o excesso de carga horária à qual vinha sendo submetido. Um dos seus colegas de trabalho, que também participava da lista de discussão, repassou as críticas ao chefe de ambos, que demitiu Crisp imediatamente.

A tentativa de recorrer à Justiça trabalhista não teve efeito, pois os juízes consideraram que o empregador tinha o direito de tomar essa atitude, uma vez que havia na Apple uma política clara que proíbe os funcionários de fazer comentários públicos negativos sobre a empresa. O argumento de que se tratava de uma página privada também não foi acolhido, pois a Justiça considerou que textos postados em redes sociais têm caráter essencialmente público.

Apesar dos riscos envolvidos, as redes sociais representam uma grande possibilidade de impulsionar a carreira, desde que usadas no sentido de reforçar positivamente a imagem pessoal e profissional. "Opiniões e informações só devem ser postadas depois de muito bem pesadas. Se não houver nada de relevante ou se a mensagem puder trazer prejuízo à própria reputação ou à da empresa, por que seguir adiante?", questiona o consultor Renato Kazihara, da Mercer.

Recente pesquisa feita nos Estados Unidos pela consultoria Reppler, especializada em gerenciamento de imagens nas mídias sociais, concluiu que 69% dos 300 recrutadores de grandes empresas ouvidos já haviam rejeitado um candidato em decorrência de informações encontradas nas redes sociais. Os motivos vão desde os mais óbvios como a postagem de fotos e comentários inapropriados até outros mais sutis como a dificuldade de escrever corretamente e desenvolver raciocínios.

Em contrapartida, 68% dos ouvidos disseram já ter considerado a boa imagem passada pelo candidato nas redes sociais como fator decisivo numa contratação. A pesquisa revelou também que os recrutadores costumam consultar as redes sociais ainda no início do processo de seleção, como critério de eliminação. O Facebook é consultado por 73% dos entrevistados, o Twitter por 53% e o LinkedIn por 48%. Fonte Jornal Valor.

Nenhum comentário: