20111220

Raul Randon a família e os negócios

Depois de criar um dos maiores grupos empresariais do país, raul randon multiplica empreendimentos na agropecuária e adota um sistema peculiar de gestão em família

Fundar uma das maiores empresas da América Latina não foi suficiente para Raul Randon. Catarinense radicado em Caxias do Sul (RS), o empresário de 82 anos é responsável pela construção de um colosso no mercado de implementos rodoviários – mas nem por isso se dá por satisfeito. Há cerca de 30 anos, ele vem ampliando sua atuação para muito além das autoestradas. Tudo em nome de uma sábia e antiga máxima: jamais colocar todos os ovos em um único cesto.

É uma cartilha que Raul segue com devoção. Além do conglomerado de empresas no segmento de veículos, ele atua nos ramos de maçã, vinho, queijo, carne suína e grãos. Os empreendimentos são numerosos e variados – e, segundo Raul, nasceram ao natural, sem qualquer tipo de planejamento prévio. “Uma coisa puxa a outra”, explica. Alexandre Randon, o segundo dos cinco filhos de Raul e Nilva, sintetiza a vocação do pai: “Ele gosta de inventar e fazer coisas novas”.

A diversificação começou em 1979, quando a Randon já estava consolidada no mercado de veículos. Raul começou investindo em reflorestamento, como forma de pleitear incentivos fiscais ao setor. Logo, tomou gosto pelo agronegócio – e assim nasceu a Randon Agrosilvipastoril, mais conhecida como Rasip. Considerada uma das principais produtoras de maçãs do país, a empresa é especializada nas variedades do grupo Gala e Fuji. Em 2010, foram processadas 48 mil toneladas da fruta, 10% destinados à exportação. Além disso, a Rasip é pioneira e líder na produção e comercialização do queijo tipo grana Gran Formaggio e derivados – creme de leite, manteiga e queijo ralado. Só em 2010, a companhia processou 25 mil litros de leite por dia, dando origem a 650 toneladas de queijo. Na produção de uvas, a Rasip se concentra nas variedades viníferas.

O investimento em vinhos, por sinal, foi resultado de um desses impulsos que, volta e meia, levam Raul a buscar o novo. Às vésperas de completar bodas de ouro com sua esposa, Nilva, ele teve a ideia de produzir uma bebida especialmente para a festa. Com a ajuda da família Miolo, tradicional produtora de espumantes da serra gaúcha, surgiu o vinho RAR – das iniciais Raul Anselmo Randon. Em pouco tempo, o empreendimento colecionava prêmios nacionais e internacionais. As variedades são Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir, Chardonnay, Gewurztraminer, Pinot Gris e Viognier.

Já a produção de queijos nasceu da sugestão de um amigo italiano. Apreciador da iguaria, Raul decidiu criar um produto diferenciado, que não existisse no Brasil. Embarcou para a Itália, onde conheceu os segredos de fabricação do Gran Formaggio. De lá, trouxe especialistas e dois aviões de vacas holandesas. Foi assim que, em 1996, o empresário montou a primeira fábrica de queijo Grana da América Latina. Com o queijo em produção, no entanto, surgiu um problema. “O soro que sobrava da fabricação é muito poluente, então o descarte era complicado”, recorda Randon. Mas a complicação logo se tornou uma oportunidade: “Já que os porcos se alimentam desse soro, resolvi investir no segmento de carne suína”. Hoje, Raul cria cerca de 5 mil suínos, fornecendo carne à BrasilFoods, uma das maiores empresas do setor.

Nasce um administrador
Desde a infância em Tangará (SC), Raul Anselmo Randon já dava mostras de espírito empreendedor. Aos 7 anos, ele colhia frutas no quintal de sua casa – como tantos outros meninos de sua idade. Mas o futuro empresário ia além da simples brincadeira e vendia a “colheita” à tia materna. Quando Raul tinha 9 anos, a família se mudou para Caxias do Sul. Lá, Abramo Randon, pai de Raul, montou uma ferraria onde o filho trabalharia durante quatro anos. Em 1949, depois de servir no exército, Raul teve de fazer uma escolha que mudaria o rumo de sua vida. Havia duas opções: voltar a trabalhar com o pai (cuja ferraria já estava consolidada e dando lucros) ou ajudar o irmão mais velho, Hercílio, que havia acabado de montar uma oficina de motores (atividade ainda pouco conhecida). Raul optou pela alternativa mais arriscada e, sem saber, definiu o destino de toda a família. Na oficina, os filhos de Abramo e Elisabetha deram início àquela que viria se tornar uma das maiores empresas brasileiras – em cuja história tanto Raul quanto Hercílio tiveram um papel fundamental.

Hercílio tinha talento nato para mecânica. Era ele o responsável por criar novos produtos – alguns estão no mercado até hoje, como a carreta de três eixos. Raul precisou aprender o ofício do irmão, mas logo começou a se destacar como gestor. Em 1970, fez sua primeira viagem internacional, indo à Alemanha e à Itália. Na volta, ao analisar o mercado interno e externo, decidiu que era hora de investir pesado e fez o primeiro grande projeto de expansão da Randon, com objetivo de fabricar mil carretas por ano – meta que só seria alcançada 15 anos depois.

Raul faz questão de destacar que, apesar do pioneirismo e do esforço dos irmãos Randon, a estatura atual da empresa também é fruto do suor de muitas outras pessoas. A criação de equipes de trabalho, por sinal, é apontada como uma das chaves para o sucesso de seus empreendimentos. “Como estudei pouco, sempre procurei profissionais muito capacitados”, explica. Para Alexandre, uma das grandes qualidades do pai é precisamente a valorização e o respeito pelas virtudes alheias. “Eu tenho uma admiração muito grande pela forma como ele consegue aceitar as ideias dos outros. Muitos empresários não aceitam a opinião de terceiros, e aí os riscos de a empresa ter problemas são bem maiores”, afirma Alexandre. “A capacidade de buscar e atrair bons profissionais foi um dos fatores do sucesso de meu pai. Aquilo que lhe falta – e lhe falta porque ele não frequentou faculdade – a gente busca.”

O pouco estudo foi resultado de uma infância dif ícil: Raul foi obrigado a abandonar a escola após a mudança para Caxias do Sul, embora tenha continuado a fazer aulas com uma vizinha, que era professora. Mas a lacuna na formação é compensada pelas habilidades naturais. “O modo de gestão dele é diferente do meu e dos meus colegas que estudaram administração e que fizeram diversos cursos. Ele é um líder nato”, define Alexandre.

Dentro do clã
Além de continuar investindo em áreas diversas, o octogenário Raul diz ter um grande objetivo: viver até os 100 anos. Para chegar lá, ele pratica natação todos os dias, além de fazer acupuntura e massagens duas vezes por semana.

Um século de vida será pouco para quem não apenas ama o trabalho, mas também investe um pesado “capital afetivo” na vida familiar. “Eu sempre digo para a minha mulher que ela fez uma grande coisa: criar os filhos. Teve uma época em que ela quis trabalhar na Randon, mas eu disse: Não, cuida dos nossos filhos que é a maior fortuna que nós temos”. Dos cinco filhos de Raul, quatro atuam nas empresas da família – Roseli, médica, é a única que trabalha em outro ramo. Em 2009, o patriarca transferiu a presidência executiva para o seu filho mais velho, David – de lá para cá, Raul vem cada vez mais se afastando do dia a dia do grupo. A troca de comando, que começou a ser planejada em 2000, foi serena e indolor. “Quando tomei a decisão de me afastar, chamei os cinco filhos e falei: Quero sair, vocês decidem quem assume”, recorda Raul.

Segundo Alexandre, a transmissão do cetro era algo que o pai já projetava desde o início de seus empreendimentos. “Meu pai sempre teve aquela visão de ter os filhos ligados aos negócios das empresas. Por isso, costumo dizer que a sucessão começou quando eu e meus irmãos entramos no 2º grau. Foi naquela época que meu pai decidiu: Um dia quero meus filhos tocando os negócios para mim”. Hercílio, falecido em 1989, deixou apenas um filho, que não se envolve na administração do grupo empresarial.

No mesmo ano da troca da presidência, a família criou um conselho do qual participavam Raul, Nilva e os filhos. A profissionalização desse conselho ocorreu em 2009, com a criação da Dramd, holding que controla as empresas Randon e cujo nome é composto pelas iniciais dos filhos, em ordem de nascimento: David, Roseli, Alexandre, Maurien e Daniel. Em 2010, a holding ganhou uma estrutura f ísica, chamada de Family Office. “Todas as reuniões da família, até mesmo as que não estão ligadas aos negócios, acontecem lá. Isso faz parte de uma cultura que nós estamos desenvolvendo e mantendo na família”, destaca Alexandre, que busca passar pelo menos um turno por dia na Dramd.

Além disso, todos os anos é realizado um Fórum da Família. Em 2011, o clã empresarial passou um final de semana em Canela, na serra gaúcha. Um hotel inteiro foi fechado apenas para a família e para a consultoria que os auxilia. “Nós definimos alguns valores e raízes e criamos uma carta da família, que começava assim: Nós somos uma família que procura preservar seus valores porque temos interesses como família e como família empresária”, conta Alexandre. Do fórum participam todos os Randon – até os bebês. “Os pequenos não entendem o que a gente fala, mas em pouco tempo eles irão perceber que aqui existe uma família e que ela tem um motivo forte para estar reunida. Mas lá pelos dez anos, vão saber que fazem parte de uma família empresária e que isso tem as suas vantagens e suas desvantagens. Faz parte da educação dessa gurizada”, resume.

Com tudo isso em mente, os Randon desenvolvem um programa para a terceira geração chamado PDI, ou “Programa de Desenvolvimento Individual”. Trata-se de um acompanhamento feito por uma consultoria aos netos de Raul que estão entrando na faculdade. No momento, são 11 netos com idades que variam de 11 e 22 anos. “Já desenvolvemos uma orientação de que eles não deverão trabalhar na Randon. Poderão fazer estágios e atuar em alguns setores, mas a empresa não vai ser cabide de emprego”, garante Alexandre.

Para explicar a decisão, ele relembra a saga familiar dos Randon: Raul e Hercílio criaram a empresa, enquanto a segunda geração teve o papel de expandir o empreendimento. Sim, o sonho de Raul era transmitir a liderança aos filhos – mas, à medida que os negócios se ampliavam, a gestão inata do patriarca deu lugar a uma crescente especialização. “Colocar a terceira geração no comando seria uma forma de ‘refamiliarizar’ a empresa, o que seria ruim para todos – negócios, família e acionistas”, explica Alexandre. Então pode-se esperar uma pessoa de fora da família na presidência da Randon? “Vai levar muito tempo, mas talvez aconteça. Contudo, nada impede que lá na terceira geração se encontre alguém com o perfil adequado...”, despista.

Em 2010, o Grupo Randon obteve uma receita bruta de R$ 4,7 bilhões, quase 49% maior do que a do ano anterior. No mesmo período, a Rasip registrou vendas de R$ 78 milhões, 22% maiores do que as de 2010. Definitivamente, aos 82 anos, Raul tem motivos de sobra para o bom humor. Fonte Revista Amanhã.

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