20111215

Acúmulo de funções é causa número um de estresse

A cena clássica do homem como único provedor da casa, chegando do trabalho exausto e sendo reconfortado pela esposa, dona de casa, praticamente não existe mais. No mundo moderno, a mulher tem galgado posições cada vez mais altas no ambiente corporativo e, consequentemente, sofrido as mesmas pressões e preocupações que eles. Engana-se, porém, quem pensa que desse modo o nível de estresse entre os gêneros seja igual. Na maioria das vezes, além de gerenciar a própria carreira, as mulheres continuam exercendo diferentes papéis na sociedade, e os assuntos do cotidiano da família ainda recaem majoritariamente sobre elas.

Segundo especialistas ouvidos pela revista Valor Liderança Executivas, esse acúmulo de funções é um dos principais fatores de estresse no sexo feminino. Um levantamento recente da Nielsen com 6.500 mulheres de 21 países revelou que as brasileiras ocupam a quarta colocação entre as mais estressadas, com 67% das pesquisadas. As três primeiras colocações ficaram com Índia (87%), México (74%) e Rússia (69%). Uma das explicações para que a situação seja mais grave nos países emergentes é que, depois de pagas as despesas essenciais, sobra pouco dinheiro para que as mulheres gastem consigo mesmas ou com férias.

O diagnóstico de estresse, inclusive, já é mais frequente em mulheres do que em homens. “Cerca de 90% das pacientes que atendo trazem o trabalho versus família como uma das principais questões. As mulheres se cobram muito, querem ser excelentes em todos os aspectos e isso acaba refletindo na saúde delas”, explica Armando Ribeiro das Neves Neto, consultor do Núcleo de Desenvolvimento de Carreiras do Insper e coordenador do Programa de Avaliação do Estresse do check-up do Hospital São José – Beneficência Portuguesa de São Paulo.

A presidente da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), Ana Maria Rossi, concorda. Segundo ela, a mulher tem dificuldade em delegar tarefas e a tendência a ser centralizadora, especialmente quando se trata de assuntos domésticos. “Além disso, ela geralmente acha que precisa se dedicar mais ao trabalho para obter reconhecimento similar ao do homem, lida com uma grande pressão social desde cedo e passa por transformações fisiológicas profundas ao longo da vida”, afirma.

Um estudo realizado pela Isma-BR com 520 profissionais de Porto Alegre e de São Paulo, entre 25 e 58 anos, revelou que os fatores mais comuns de estresse são a falta de tempo e sobrecarga de trabalho (73%), desequilíbrio entre esforço e gratificação (68%) e conflitos interpessoais (51%). Dentre os sintomas físicos mais comuns, 88% têm dores musculares e enxaqueca, 41% distúrbios do sono e 24% problemas gastrointestinais. Já em relação aos aspectos emocionais, 86% sofrem de ansiedade, 81% de angústia e 64% de ressentimento. As respostas múltiplas mostram que dificilmente existe apenas um problema.

A incidência de doenças cardiovasculares também aumentou cerca de 4% no público feminino, enquanto caiu 17% no masculino entre 2009 e 2010. Os dados são do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo. Segundo o estudo, entre os principais fatores para isso estão o estresse com a dupla jornada, o sedentarismo e os hábitos pouco saudáveis, como fumar e não se alimentar corretamente. A faixa etária dos pacientes infartados no sexo masculino se concentra entre 45 e 74 anos e no feminino, de 60 a 89 anos.

Embora o quadro seja alarmante, as mulheres têm mais longevidade e melhor qualidade de vida do que os homens. Um dos motivos para isso é a forma com que enfrentam o estresse. “Elas são mais sensíveis, procuram apoio rapidamente e encaram um tratamento ou uma terapia com disciplina e sem resistência”, afirma Neto.
Os homens, por sua vez, adotam um comportamento de luta ou fuga. Tendem postergar as mudanças de atitude, a minimizar os sintomas e a “engavetar as emoções”. “Geralmente, eles vão direto ao hospital quando algo mais grave já aconteceu.

Buscam ajuda apenas quando a situação já é crítica”, diz. Ana Maria revela outra diferença entre os gêneros no aspecto comportamental relacionado ao estresse: enquanto as mulheres fazem uso de medicamentos, os homens apelam para o álcool.
A presidente da Isma-BR destaca que outros fatores importantes para que as mulheres administrem melhor o estresse é a facilidade em verbalizar os sentimentos e a fé. É comum, por exemplo, sair com uma amiga para falar do problema. “Desabafar com alguém já alivia um pouco a pressão. Além disso, elas cultivam uma crença religiosa com mais intensidade e não têm vergonha disso.”

Sócia da Opice Blum, Bruno, Abrusio & Vainzof, a advogada Juliana Abrusio é um exemplo. Ela se considera uma workaholic e diz trabalhar 16 horas por dia, entre 7h30 e 23h30. Além de atuar como advogada, acumula funções administrativas no escritório, é professora universitária e de pós-graduação, comanda uma consultoria de educação digital, dá palestras e faz parte de associações e comitês no meio jurídico. O que mantém seu equilíbrio, segundo ela, são os sábados. “Reservo esse dia para desenvolver a minha espiritualidade”, afirma.

Adventista do sétimo dia, mas avessa a rótulos religiosos, Juliana “se desliga” a partir do pôr do sol de sexta-feira e se recusa a checar e-mails, ligar a televisão e fazer qualquer atividade profissional até o pôr do sol do sábado. “Embora essa pausa tenha uma base religiosa, ela faz com que eu me sinta renovada semanalmente”, garante. Além disso, a advogada se mudou para perto do trabalho para evitar o trânsito, faz pilates em casa duas vezes por semana com a orientação de uma instrutora e aproveita os domingos para cozinhar – ainda que para ela se trate de mais um dia de trabalho. “Meu marido também é advogado e professor, então ele compreende meus compromissos e me dá o suporte necessário”, diz.

O professor Neto ressalta que há diferentes picos de estresse na vida de uma mulher. Aos 20 anos, existe a insegurança e a pressão pela entrada no mercado de trabalho. Aos 40, uma possível insatisfação com a vida profissional, crises conjugais e a necessidade de cuidar dos pais idosos. Seu público mais numeroso, contudo, está na faixa dos 30 anos. “Nessa fase, a mulher está sedimentando a carreira e sabe que tem potencial. Por outro lado, começa a pensar mais seriamente na maternidade e sabe que as decisões que tomar nesse momento vão afetar sua vida para sempre”, diz.

Na opinião de Daniela Werebe, médica psiquiatra e psicanalista do Hospital Albert Einstein, a tendência é que as executivas no topo da pirâmide, embora tenham maior responsabilidade profissional, apresentem menos estresse. “Nesse ponto, especialmente após os 50 anos, elas normalmente têm mais autonomia, controlam melhor a própria agenda e estão com a vida pessoal resolvida, com os filhos já criados e fora de casa”, explica.

Aos 33 anos, e casada há cinco, Juliana quer ter seu primeiro filho em 2012 e, para isso, planeja mudanças consideráveis em sua rotina. Hoje, o dia a dia é tão frenético que às vezes ela leva a manicure para fazer suas unhas durante alguma reunião de negócios, pois não teria tempo de outra forma. “Quero reduzir essa programação gradativamente até chegar a um expediente de oito horas diárias. Para isso, é preciso saber dizer ‘não’ sem me sentir mal por isso, mas orgulhosa”, pondera.

Com a mesma idade, mas já mãe de um filho de quase 3 anos, Cristiane Giordano conta que o medo de não conseguir retomar a carreira depois da gravidez é um poderoso gatilho de estresse. “Na época, fiquei muito preocupada. Estava envolvida em um grande projeto e não dava para saber até que ponto essa mudança ia interferir na minha vida profissional.” Atualmente, é diretora associada de oftalmologia e saúde feminina da unidade de negócios primary care da Pfizer Brasil, cargo maior do que ocupava antes de se tornar mãe. “No começo foi difícil, mas com o tempo você consegue se adaptar. Sinto que voltei para a empresa mais madura e capaz de gerenciar meu tempo e definir as prioridades”, diz.
Prova disso é que, mesmo com os horários atribulados, Cristiane decidiu se matricular no curso de personal stylist da Escola Panamericana de Arte de São Paulo no início do ano. “Já frequentava academia de ginástica, mas era por obrigação.

Sentia falta de fazer algo prazeroso, que tirasse meu foco do trabalho e aliviasse meu estresse”, conta. Depois de seis meses de aulas e com o diploma na mão, ela já atua informalmente como conselheira e consultora de moda para as amigas. “Planejo me especializar ainda mais no assunto. Isso, é claro, só por diversão, com toda a liberdade e nenhuma obrigação”, enfatiza.

Daniela, do Hospital Albert Einstein, afirma que atividades desse tipo são importantes e devem fazer parte do cotidiano das executivas. O ideal, segundo ela, é dividir o dia em três partes: oito horas de sono, oito de trabalho e oito de lazer. “Mas, obviamente isso é impossível”, brinca. “Desse modo, é essencial buscar um equilíbrio maior e promover mudanças logo nos primeiros sinais de estresse. As pessoas não devem tentar se enganar nem ser negligentes, pois mais cedo ou mais tarde vão ter de arcar com as consequências”, alerta.

Partir para a ação, contudo, parece ser ainda a parte mais difícil do processo. Para Ana Maria Rossi, da Isma-BR, as pessoas estão cientes dos prejuízos para a saúde e da perda de qualidade de vida relacionadas ao estresse. “Apenas ter as informações não faz a pessoa mais saudável e feliz. Ela precisa colocar esse conhecimento em prática, incluí-lo na sua realidade de forma definitiva”, aconselha. Fonte Jornal Valor.

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