20111211

Por que o filme de Wall Street queimou

Apenas cinco anos nos separam do lançamento do filme Em busca da felicidade. De lá para cá, os mocinhos do mercado financeiro viraram vilões da crise.

O filme Em busca da felicidade, de 2006, conta a história de Chris Gardner, um jovem pai de família sem emprego e sem dinheiro, abandonado pela mulher, que para tornar ainda mais miserável sua existência deixa o único filho sob sua guarda. Depois de muitas peripécias, sempre com o garoto a tiracolo, Gardner, protagonizado pelo ator Will Smith, consegue um emprego numa corretora de Wall Street. Baseado em fatos reais, o drama é uma elegia à determinação e força de vontade do cidadão comum, do tipo que é negro, pobre e mora longe, e apresenta a conquista de um lugar na indústria financeira como uma bênção dos céus. Campeão de bilheteria, Em busca da felicidade, que valeu a Smith uma indicação ao Oscar, dificilmente seria filmado com seu enredo original nos dias de hoje. Apenas cinco anos nos separam do seu lançamento, mas quanta coisa mudou desde então. Não é que nos Estados Unidos e pelo mundo afora não sobrem exemplos de gente desesperada em busca de uma vida melhor ou de um simples prato de comida.

A diferença é que os tempos de bonança econômica e de euforia do início da segunda metade da década passada não existem mais. Muito possivelmente, a corretora que oferecia uma vaga de estágio para 20 candidatos que não hesitariam em matar a própria mãe para conquistá-la tenha fechado suas portas, arrastada pelo tsunami financeiro que se seguiu à quebra do Lehman Brothers, em 2008. Em outras palavras, a Wall Street que aparecia como uma espécie de Himalaia para Chris Gardner no filme ficou para trás. Calcula-se que nada menos do que 110 mil funcionários tenham sido demitidos nos últimos três anos pelos bancos de investimentos e firmas de corretagem instaladas ali. Evidentemente, demissões em massa, períodos de declínio e frustrações ocorreram no passado.

Como lembra o jornalista Kevin Roose, do The New York Times, a débâcle do mercado de ações, na chamada Sexta-Feira Negra, como ficou conhecido o dia 19 de outubro de 1987, ou o colapso das empresas pontocom, no ano 2000, confirmam a vulnerabilidade do mercado e a alternância dos ciclos de alta e de baixa.A diferença, frisa Roose, é que os problemas de hoje vieram para ficar, afetando particularmente os jovens financistas, as principais vítimas dos cortes. Mas o pior, mesmo, é a mudança de status do setor financeiro junto às mentes e aos corações do respeitável público. “Houve época em que ser jovem em Wall Street significa ter tudo: estilo, astúcia e dinheiro demais para gastar com sabedoria”, escreveu Roose. Não por acaso, a disputa por postos de trabalho numa corretora ou num banco em Wall Street arrefeceu, não entusiasmando os jovens MBAs.

Em vez de Goldman Sachs, JPMorgan Chase e Morgan Stanley, eles preferem concorrer a empregos na Apple, no Google ou no Facebook. Mas porque o setor financeiro saiu inapelavelmente marcado da crise de 2008. Desde então, virou quase uma unanimidade criticar os banqueiros pelo uso irresponsável e ganancioso das possibilidades abertas pelo avanço tecnológico, que levou o setor financeiro a colocar-se acima dos países e dos governos, e pela desregulamentação que tudo permitiu, dando vazão à criatividade deletéria dos gênios residentes. Some-se a isso o vigor de movimentos como o “Ocupe Wall Street” e se terá uma ideia de como ficou difícil a vida desse pessoal. Envergonhados, muitos deles procuram esconder que trabalham ali. Que diferença da época de Gardner! Os mocinhos do mercado financeiro viraram vilões da crise do capitalismo. Fonte: Revista Isto É Dinheiro - por Clayton Netz.

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