20140317

Garotas 'mandonas' são líderes natas

Garotas 'mandonas' são líderes natas
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Nós éramos meninas mandonas.

Sheryl: Quando meu irmão e minha irmã descrevem a nossa infância, eles dizem que eu organizava a brincadeira das outras crianças ao invés de brincar. Em um discurso na festa do meu casamento, eles se apresentaram assim: "Oi, nós somos os irmãos menores da Sheryl [...] mas na realidade não somos seus irmãos menores, fomos os seus primeiros empregados."

Desde muito pequena, eu gostava de organizar, dos brinquedos no meu quarto até o clube da escola. Quando estava no colegial e concorri nas eleições como vice-presidente da minha classe, um dos meus professores chamou a minha melhor amiga e a aconselhou a não seguir o meu exemplo: "Ninguém gosta de menina mandona", alertou ele. "Você deveria procurar outra amiga para ter um melhor exemplo."
Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook.

Anna: A comunidade latina da minha infância tinha claras expectativas para cada sexo: os homens tomam as decisões e as mulheres desempenham papéis secundários. Meus irmãos e eu gostávamos de brincar de guerra com as crianças do bairro. Cada um tinha uma função na equipe para se preparar para a batalha. Como eu era a única menina, sempre me mandavam buscar a munição (frutos vermelhos de árvores da região). Um dia anunciei que queria liderar o batalhão. Os meninos responderam: "Anna, você é muito mandona; todo mundo sabe que uma mulher não pode comandar as tropas."

Felizmente, eu tive o exemplo da minha mãe, que rompeu barreiras quando se candidatou para trabalhar no conselho da escola do bairro. Uma das memórias mais vívidas da minha infância é a de ouvir as pessoas dizendo ao meu pai que não era apropriado para a mulher dele se candidatar ao cargo [...] e o meu pai respondendo que ele não concordava e que na verdade sentia muito orgulho dela.

Apesar de termos tido origens diferentes, nós duas ouvimos a mesma mensagem, seja de forma clara ou implícita: Não seja mandona. Não faça muitas perguntas. Fale baixo. Não lidere.
Anna Maria Chávez, presidente das escoteiras dos EUA.

Por mais de um século, a palavra "mandona" teve uma conotação negativa para as mulheres. Por trás dela, estão estereótipos profundamente arraigados sobre gênero. Dos meninos se espera que sejam firmes, seguros, que saibam o que querem, enquanto as meninas devem ser boazinhas, amáveis e sensíveis. Quando um menino assume a liderança na sala de aula ou em um jogo, ninguém fica surpreso ou ofendido. Isso é esperado. Mas quando uma menina faz o mesmo, ela é geralmente criticada.

Como vamos conseguir nivelar o jogo para as meninas e mulheres quando nós mesmos não as incentivamos a terem a postura que as fará chegar lá?

Os cientistas sociais há muito estudam como a linguagem afeta a sociedade e descobriram que até mesmo as mensagens mais sutis podem ter um enorme impacto nas metas e aspirações das meninas. Quando chamamos uma menina de "mandona" isso prejudica não só a sua capacidade de enxergar-se como uma líder, mas também influencia a forma como ela é tratada por outras pessoas. Segundo dados de um estudo sobre a saúde de adolescentes nos Estados Unidos, os pais de alunos do sétimo ano do ensino fundamental dão mais importância à liderança dos filhos do que das filhas. Outros estudos determinaram que os professores interagem com mais frequência com os meninos durante a aula do que com as meninas.

Não é de se estranhar que na escola secundária as meninas estejam menos interessadas em liderar do que os meninos. As meninas do sexto e do sétimo ano consideram ser populares e queridas como uma característica mais importante do que ser competentes ou independentes, ao passo que os meninos valorizam mais a competência e a independência, segundo um estudo da Associação Americana de Mulheres Universitárias. Uma pesquisa realizada nos EUA em 2008 com o clube de escoteiros, em que quase 4.000 meninos e meninas participaram, revelou que as meninas de 8 a 17 anos evitam posições de liderança por medo de serem rotuladas como "mandonas" e serem detestadas pelos colegas.

E "mandona" é apenas o começo. À medida que as meninas amadurecem, as palavras podem mudar, mas o significado e impacto continuam sendo os mesmos. As mulheres que se comportam de maneira firme são chamadas de "agressivas", "bravas", "histéricas" e "excessivamente ambiciosas". Homens poderosos e bem-sucedidos geralmente são valorizados, mas quando mulheres alcançam poder e sucesso, a reação, tanto de homens quanto das mulheres, é apreciá-las menos.

Até mesmo as nossas líderes femininas mais famosas e bem-sucedidas não conseguem superar esses insultos. Uma assessora de política exterior descreveu a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher como a "inglesa mandona e intrometida". Susan Rice, a conselheira de segurança dos EUA, foi descrita por um colega diplomata como alguém com "atitude mandona" e Sonia Sotomayor, juíza da Suprema Corte americana, já foi descrita por advogados como "difícil" e "detestável".

A frase "ambiciosa demais" é atribuída a mulheres em cargos de liderança, de Madeleine Albright a Hillary Clinton, e perpetua os nossos piores estereótipos. A juíza da Suprema Corte dos EUA Sandra Day O'Connor, hoje aposentada, tem uma almofada bordada com a frase: "Não sou mandona. Só tenho ideias melhores."

Isso não afeta somente as mulheres nos níveis mais altos de poder. Durante o ano passado, eu (Sheryl) viajei por todo o mundo para falar sobre o meu livro "Faça Acontecer". De Pequim a Minneapolis, pedi a grupos de homens e mulheres que levantassem as mãos se eles já haviam sido chamados de "muito ambiciosos" no trabalho. Em várias ocasiões, alguns homens levantaram a mão, enquanto que a grande maioria das mulheres levantava uma e até as duas mãos.

Estes estereótipos acabam virando profecias que se realizam automaticamente. Apesar de receber a maior parte dos diplomas universitários, as mulheres representam apenas 19% do Congresso dos EUA, 5% das presidências executivas das 500 maiores empresas na lista da revista "Fortune" e 10% dos chefes de Estado. A maioria dos cargos de chefia ainda é ocupado por homens. Por este motivo, a sociedade continua a esperar que a liderança se pareça e atue de forma masculina e reage negativamente quando as mulheres lideram.

A grande ironia é que as chamadas mulheres mandonas são grandes líderes. E nós precisamos de bons líderes. Nosso crescimento econômico depende de ter mulheres totalmente engajadas na força de trabalho. As nossas empresas têm um melhor desempenho quando têm mais mulheres na equipe gerencial. E nossos lares são mais felizes quando homens e mulheres compartem as responsabilidades de forma mais equitativa.

Está na hora de acabar com o discurso de gênero que desencoraja as meninas desde pequenas. Então, a próxima vez que você ouvir alguém chamar uma menina de "mandona", siga o conselho de Norah O'Donnel, apresentadora do canal americano de televisão CBS: Sorria, respire fundo e diga: "Essa menina não é mandona. Ela tem habilidades de liderança executiva."

Sandberg é diretora de operações do Facebook e fundadora da organização de liderança feminina LeanIn.Org. Chávez é diretora-presidente do Girl Scouts, o clube de escoteiras dos EUA.

Na universidade de Howard, perguntei a um grupo de mulheres se elas já tinham sido chamadas de "mandonas" durante a infância. No meio de várias mãos levantadas, uma delas gritou, "Só durante a infância? Que tal na semana passada!" Fonte The Wall Street Journal.

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