20120121

Harvard sobe o morro

Em visita às favelas do Rio, 30 alunos de MBA tomam um "banho de povo" para ver de perto como se sustentam as comunidades carentes.

A Universidade de Harvard, em Cambridge, nos Estados Unidos, é uma das mais tradicionais do mundo. Fundada em 1780, teve alunos ilustres como o ex-presidente americanos Franklin Roosevelt e o atual, Barack Obama. Gênios dos negócios, como Bill Gates, fundador da Microsoft, e Mark Zuckerberg, criador do Facebook, passaram por lá, mas saíram antes de se formar. A escola sempre se destacou por sua formação severa e criativa. Com a escola de negócios, a Harvard Business School, não é diferente. Todos os anos milhares de executivos disputam uma de suas vagas, que servem de passaporte para os melhores empregos do planeta.

Na segunda-feira 15, 30 estudantes do MBA, a maioria americanos, estiveram no Rio para uma imersão diferente. Em vez de estudos de caso em sala de aula, os alunos subiram os morros do Chapéu Mangueira e Babilônia, na zona sul da cidade, para conhecer a vida das comunidades carentes. Chegaram um pouco tensos, pois tinham como referência as imagens de favelas do filme “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles. Mas a expressão preocupada foi dando espaço a sorrisos e à descontração, na medida em que eram acolhidos pelos moradores locais. Visitaram “biroscas”, como são chamados os bares na favela, mercados, conversaram com os policiais das unidades de polícia pacificadora (UPPs) e com microempreendedores.

Patrícia da Silva Ignácio, que nasceu no Morro da Babilônia, foi uma das que tiveram a oportunidade de contar sua realidade aos alunos de Harvard. Aos 37 anos, Patrícia é casada, tem uma filha e trabalha na cooperativa do morro. Ela integra o grupo Mulheres Guerreiras, que reúne 18 moradoras semanalmente para costurar diferentes peças, vendidas na própria favela. O dinheiro arrecadado é dividido entre todas. Em dezembro, cada uma conseguiu R$ 47. “Os estudantes nos perguntaram qual era a maior dificuldade do nosso grupo”, diz Patrícia. “Nós explicamos que sentíamos falta de uma máquina de costura industrial para aumentar a produção.” Surpresos, os alunos perguntaram por que essas artesãs não pediam crédito ao governo para adquirir uma máquina.

“Porque não temos essa oferta”, ouviram de volta. O diálogo pode não impressionar os brasileiros, cientes da carência de Estado. Mas a simplicidade da resposta das artesãs revelou muito para os alunos. Nas salas de aula de Harvard ou nos escritórios de grandes corporações, não é possível perceber a vida, de fato, como ela é, com as falhas nos sistemas econômicos, que deixam de incluir a população mais carente. É essa percepção que a Harvard busca oferecer em imersões como essa, explica Aldo Musacchio, professor que acompanhou o grupo. “É um banho de povo”, diz ele. “Se esse aluno vier a ser presidente de um banco um dia, a passagem pela favela irá fazê-lo se lembrar que existem limitações reais.”
Solidariedade executiva: estudantes dão uma máquina de costura de presente para as artesãs do Morro da Babilônia.

A preocupação da universidade em oferecer uma formação mais humana é legítima. Com a crise de 2008, as escolas de negócios foram para “o banco dos réus”. Afinal de contas, os tubarões que comandavam as grandes corporações responsáveis por detonar a crise se formaram em escolas como a Harvard. A vida real no Rio do Janeiro ainda tem muitas falhas, que começam a ser corrigidas com as ações pacificadoras nas favelas e o ingresso de empresas privadas, como a Light. A concessionária de energia tem diversos projetos, como os cursos de formação para eletricistas nas comunidades, ou um programa de reciclagem, que oferece bônus na conta de luz a quem separa o lixo reciclado.

“É uma transformação que acontece aos poucos”, diz Fernanda Mayrink, gerente de Atendimento das Comunidades da Light, que acompanhou a visita dos estudantes. Com uma agenda cheia, que incluiu visitas à Vale e à Petrobras, a turma do MBA de Harvard não teve tempo de colaborar muito, mas mostrou que não saiu indiferente da passagem pelo morro. Os 30 estudantes fizeram uma “vaquinha” e levantaram R$ 1,5 mil para comprar uma máquina para as costureiras do Morro da Babilônia. Foi entregue na quinta-feira 19. A emoção das costureiras ao receber o presente é outro registro que não poderia ser ensinado nem nos bancos das melhores escolas do mundo.
Por Carla JIMENEZ – Revista Isto É Dinheiro.

Narciso Machado

NCM Business Intelligence

Nenhum comentário: