20120103

Empresas americanas fecharam 2011 em marcha a ré

É difícil fugir à conclusão que as companhias americanas passaram a maior parte do ano passado em marcha a ré.

Um exemplo foi a sequência de cisões, na contra-mão da onda de aquisições que varreu os Estados Unidos nos anos que antecederam o aperto do crédito de 2008. Para algumas empresas, como a extinta Motorola Inc., os divórcios já vieram tarde. Mas para outras mais sólidas, como a Kraft Food Inc. e a Conoco Philips, que haviam se expandido nos últimos anos, a decisão de separar linhas de negócios em companhias diferentes revelou uma nova visão estratégica.

Empresas como a Hewlett-Packard Co. e a Netflix Inc. também acabaram andando para trás — e rápido — numa tentativa de desfazer mudanças estratégicas que foram condenadas por investidores e que ameaçaram suas valiosas marcas.

A classe média também deu um passo atrás. Fortes aumentos de venda concentraram-se nos extremos, seja nas lojas de desconto ou de artigos de luxo. Quem se fixou na outrora lucrativa e ambiciosa classe média americana não teve bons resultados. Parte disso se deve às empresas estarem investindo em tecnologia e produtividade, e não em pessoas, mantendo o crescimento do emprego baixo e a classe média de mão fechada.

O truque este ano será manter lucros, vendas e o preço das ações subindo, num momento em que os consumidores americanos lidam com a incerteza e com um mercado de trabalho que melhora apenas devagar.
A cisão
Na metade da década passada, as empresas engoliram seus concorrentes para crescer. Em 2011, um bom número de executivos, às vezes instigados por acionistas ativistas, examinou com cuidado o que haviam construído e decidiram que era hora de desmontar os seus impérios.

A lista de empresas que resolveram se dividir foi longa e notável: Kraft, Conoco, McGraw-Hill Cos., Abbott Laboratories, Tyco International Ltd.

A ideia foi separar negócios de baixo crescimento, como a divisão de supermercados da Kraft e a de refinarias da Conoco, na esperança de aumentar o valor das ações e atrair compradores. A El Paso Corp. e a Motorola, hoje Motorola Solutions Inc. e Motorola Mobility Holdings Inc., geraram rentáveis negócios com compradores animados.

Até o final de dezembro, haviam sido registradas 76 cisões em 2011, de acordo com a firma de pesquisas Dealogic, ante 50 em 2010. E as transações encorparam. O valor total das cisões em 2011, US$115,9 bilhões, foi mais que o dobro do de 2010.

No horizonte: Será que as cisões levarão a mais fusões e aquisições, com compradores de olho nas partes desmembradas?

Um giro de 180 graus
Andar de marcha a ré tornou-se popular no ano passado, com a Netflix, a Hewlett-Packard e a Cisco Systems Inc. revertendo com alarde decisões estratégicas não muito bem pensadas.

Não que reverter o curso tenha ajudado sempre. A reputação da Netflix sofreu um abalo, na esteira de duas decisões que enfureceram seus clientes: um aumento de preço de 60%, e o já enterrado plano de tornar o seu serviço de aluguel de DVDs num negócio separado. O diretor-presidente Reed Hastings pediu desculpas — ou algo semelhante —, dizendo que deveria ter explicado melhor o aumento de preços e mais cedo. A Netflix perdeu 80.000 assinantes no terceiro trimestre, e sua ação perdeu três quartos do valor desde que a companhia anunciou o aumento, em julho passado.

A HP fez duas meia-voltas dramáticas. A empresa de tecnologia decidiu, em meados de 2011, tentar separar o seu negócio de computadores pessoais e começou uma campanha para promover a ideia. Mas a estratégia do diretor-presidente Léo Apotheker deprimiu o preço das ações e ajudou a deflagrar a sua saída da empresa. Semanas depois, a sua sucessora, Meg Whitman, disse que a HP ia continuar fabricando PCs. Mesmo assim, a ação da empresa caiu 40% no ano passado.

A Cisco Systems afastou-se do mercado consumidor ao extinguir o seu negócio de câmeras Flip, e simplificou uma estrutura bizantina de negócios baseada em mais de 40 conselhos internos. Os investidores receberam melhor as decisões da empresa de tecnologia, e sua ação fechou o ano em queda de 10%, depois de inverter em meados do ano a forte queda do primeiro semestre.

Economia bipolar
Varejistas e empresas de bens de consumo viram-se às voltas com uma classe média em extinção nos EUA, em 2011. Após anos de cautela desde que a crise financeira derrubou o mercado de ações, os ricos retornaram aos artigos de luxo, beneficiando redes como a Saks Inc. e a Nordstrom Inc.

No extremo inferior, as lojas de desconto lucraram graças ao prolongado desemprego e às incertezas econômicas, os quais levaram a classe média a pechinchar.

Isso criou um efeito bipolar, atingindo as companhias tradicionalmente voltadas para consumidores de classe média. O lucro da Gap Inc. caiu 27% nos primeiros nove meses do ano passado, enquanto a loja de departamento J.C. Penney Co. teve um prejuízo de US$ 65 milhões, ante um lucro de US$118 milhões no mesmo período do ano anterior.

A fabricante de bens de consumo Procter & Gamble Co. e a produtora de alimentos H.J. Heinz Co. adaptaram-se à mudança nos padrões de consumo, lançando linhas de produtos de preços bem baixos.

Lucro sem emprego
Nos primeiros nove meses de 2011, as maiores companhias americanas apresentaram alto crescimento nos seus lucros, mas suas contratações não seguiram o mesmo ritmo. Os lucros das companhias que compõem o índice da Standard & Poor 500 cresceu 18% no terceiro trimestre, de acordo com a Thomson Reuters, com a S&P prevendo um recorde para o ano todo. E embora o mercado de trabalho tenha se mostrado mais aquecido do que o esperado até o terceiro trimestre, o nível de desemprego permaneceu elevado, a 8,6%, e mais de 13 milhões de pessoas estão sem trabalho no país.

Em vez de investir em novos empregados de tempo integral, que requerem planos de saúde e outros benefícios, as empresas estão cada vez mais investindo em automação e software para aumentar a produtividade. A S&P diz que os gastos com capital entre as empresas do S&P 500 cresceram 30% no terceiro trimestre, comparados com o ano anterior, mas pouco disso destinou-se a ampliar ou construir novas instalações.

O lento crescimento econômico dos EUA fez as empresas se voltarem para países emergentes, como China, Rússia e Brasil, onde elas estão contratando mais gente para atender aos mercados locais.

Os postos de trabalho que se mantiveram nos EUA foram em geral de mão-de-obra altamente qualificada. Algumas empresas estão realocando fábricas para os EUA. Mas uma dependência maior da automação implica em que novas fábricas trarão somente centenas de empregos, não milhares.

De Blackberry para iPhone
Os gerentes de companhias de informação e tecnologia costumavam controlar que tipo de smartphones seus empregados podiam usar, quer dizer, o BlackBerry, beneficiando a canadense Reserach In Motion Ltd., que fabrica o aparelho.

Mas isso mudou decisivamente no ano passado, com empregados insistindo para usar seus aparelhos pessoais no trabalho, quer dizer, os iPhones da Apple Inc.

A empresa de dados IDC estimou que, com empregados levando seus próprios telefones para o trabalho e as empresas ampliando a gama de aparelhos que elas oferecem, a Apple ultrapassará os outros sistemas operacionais e, até o final do ano, terá o smartphone mais utilizado nas empresas. Essa mudança ficou evidente no preço da ação da RIM, que caiu 75% em 2011.

Esse fenômeno está forçando as empresas de TI a se ajustarem. Os departamentos de tecnologia estão se curvando aos consumidores em parte porque, se os empregados comprarem seus próprios celulares, isso pode ajudar a reduzir custos. Gerentes também acreditam que os empregados serão mais produtivos se puderem usar os aparelhos que quiserem.

A IDC estima que empregados serão donos de 55% dos aparelhos usados no trabalho, em todo o mundo, até o final de 2015, ante 47% no fim do ano passado.
No horizonte: mais empresas deverão fabricar software para esse aparelhos.

Suprimentos sem cadeia
As companhias globais passaram anos construindo suas cadeias de suprimento. Os desastres naturais de 2011 levaram apenas alguns dias para rompê-las. Fabricantes de automóveis, companhias de eletrônicos e fornecedores de peças descobriram que suas operações de suprimento não eram tão diversificadas quanto se pensava.

O terremoto e o tsunami de março no Japão, por exemplo, deixaram desamparadas as empresas que dependiam de polisilicone. Descobriu-se que 60% do fornecimento mundial vinha do Japão. O terremoto também deixou empresas debatendo-se por outros componentes, como transistores básicos. Uma outra vulnerabilidade não prevista: um sensor de fluxo de ar — cerca de US$ 90 no varejo dos EUA — usado por uma dúzia de fabricantes de carros era fabricado quase exclusivamente no Japão.
A Toyota Motor Corp. interrompeu a produção devido à falta de mais de 200 peças fabricadas no Japão.
A General Motors Co. e a PSA Peugeot-Citroën SA também cortaram a produção.

Mais recentemente, enchentes na Tailândia causaram distúrbios na produção de discos rígidos para computadores. Cerca de 40% da produção total de discos rígidos vem daquele país. Por causa dessa falta, a Intel Corp. reduziu em US$ 1 bilhão a sua previsão de lucro no quarto semestre. Os fornecedores, inclusive a Western Digital Corp. e a Hutchinson Technology Inc., suspenderam suas operações.

Este ano, empresas provavelmente vão reavaliar suas cadeias de suprimento, comprar seguros de suprimento e desenvolver parcerias com distribuidores terceirizados de componentes, com a meta de reduzir sua dependência de um único fornecedor ou uma única região. Fonte The Wall Street Journal.

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