20120204

Quando a empresa vai para o divã

Simon (nome fictício), um designer gráfico de 42 anos, submeteu-se recentemente a algumas sessões de terapia de grupo e individual. Não por iniciativa própria, mas da empresa em que trabalha -que pagou pelas sessões. A terapia foi desencadeada pela crise de relacionamento entre os cofundadores da companhia. Eles eram amigos, mas a parceria profissional começou a se desgastar com o crescimento dos negócios. Diante disso, resolveram fazer terapia de duplas para melhorar seu relacionamento e, depois, encaminharam altos executivos como Simon a consultas com o terapeuta. "No curto prazo houve mais tensões e inseguranças, pois as coisas vieram à tona, as pessoas se sentiram vulneráveis e todos ficaram um pouco confusos", diz. "Era como se os alicerces do nosso local de trabalho tivessem deixado de ser estáveis." No entanto, ele garante que no longo prazo a terapia patrocinada pela empresa revelou-se de valor inestimável. "Depois do terremoto, deixamos a poeira baixar e tudo ficou bem melhor. Foi uma boa oportunidade de dizer coisas com a ajuda de um mediador na frente dos meus chefes." Gillian Lock, uma psicoterapeuta de Londres, trabalhou com diversas organizações de setores que vão desde construção civil até televisão. "Meu papel é segurar um espelho para as pessoas, de forma que elas possam ver que tipo de impacto estão tendo sobre as outras", diz. Formada pela Universidade de Princeton, Lock acredita que sua carreira anterior de arquiteta lhe dá as condições de fazer a ponte entre o universo da terapia e o empresarial. "Tenho experiência em administrar, sei o que é isso." Antes de estudar para ser terapeuta, 15 anos atrás, ela foi diretora da BDG McColl, parte do grupo de mídia WPP que atua no segmento de arquitetura e design de interiores. Antes disso, trabalhou na construtora Mace. "A psicoterapia, tanto quanto a arquitetura, é uma arte e uma ciência. Não se pode ser inflexível com relação às suas próprias ideias, tem-se de estar preparado para repensá-las e reduzi-las a pó", ressalta. Uma parte crescente de seu trabalho, que inclui terapia de casal, terapia individual e orientação empresarial, é o atendimento a sócios de uma empresa. "No ambiente de trabalho pode haver conflitos, pois você não traz apenas sua 'persona' profissional ao trabalho, mas toda a sua formação", afirma. A introdução de um terapeuta pode lançar luz sobre alguns dos problemas psicológicos que estão por trás de comportamentos no trabalho. "Às vezes, os dois sócios não entendem de onde surgem os conflitos." Assim como no casamento, a chegada da dupla empresarial na pequena sala, com paredes cobertas por estantes de livros, normalmente é desencadeada por uma crise. E, também a exemplo do que acontece com o casamento, seu papel não é obrigar o casal a continuar junto; um bom resultado poderá ser ajudá-los a se separar. Ela destaca que a função dos terapeutas não é aconselhar, e sim ajudar as pessoas a fixar metas e a descobrir o impacto de seu comportamento sobre os outros, "como ele faz a outra pessoa se sentir." Lock dá o exemplo de uma sociedade responsável pela fundação de uma empresa de relações públicas. Os dois profissionais disseram que queriam continuar juntos, mas que não conseguiam imaginar como. Um dos maiores problemas era que um dos sócios achava que o outro o impedia de assumir um papel mais criativo. "Quando começamos a destrinchar a situação, tentamos ver por que ele se tinha permitido ficar preso nesse papel e não assumia responsabilidades". Depois da terapia, a parceria continuou e a empresa prosperou. Há pouca diferença, diz Lock, entre trabalhar em terapia de casal e com sócios no mundo corporativo. "As pessoas têm de ser tão sinceras quanto sentem que é possível e tentar se expressar gentilmente." No entanto, acrescenta, sua formação lhe permite "conviver com sentimentos difíceis". E as emoções que afloram de sessões desse tipo podem ser incrivelmente fortes. Uma das cenas mais memoráveis do documentário "Some Kind of Monster", sobre a terapia de grupo a que se submeteu a banda de heavy metal americana Metallica, foi um confronto entre o cantor e guitarrista James Hetfield e o baterista Lars Ulrich. Como melhores amigos por mais de duas décadas, os dois foram obrigados a encarar a luta pelo poder que travavam na época. Em certo momento, Ulrich finalmente reconhece que se incomoda com o desejo de Hetfield de controlar tudo. "Eu simplesmente acho que você é muito centrado em si mesmo", diz, percorrendo a cozinha do estúdio. "Você diz que eu sou controlador, eu acho o contrário. Você controla mesmo quando não está aqui". Em pouco tempo, a conversa amigável se transforma em um confronto físico na medida em que ganham força os xingamentos pronunciados na surdina por Ulrich, até configurar um rugido de impropérios. Durante dois anos e meio de sessões diárias, o grupo - no passado rotulado de "Alcoholica" - imergiu na linguagem terapêutica. Suas roupas de couro e seu cabelo eriçado contrastavam com os pulôveres em tons pastel de Phil Towle, o orientador introduzido, ao que consta, por US$ 40 mil mensais pelos empresários do grupo. Segundo Ulrich, o valor foi bem gasto. "Por causa de Phil, estamos tendo o melhor relacionamento de todos os tempos", disse ele em recomendação no site de Towle. Mas terapia funciona sempre? Simon acha que depende da empresas (ou do grupos de rock). Sua experiência foi boa porque a cultura de seu local de trabalho estimula a empatia. "Já havia uma certa dose de consideração pela vida pessoal das pessoas no escritório", afirma. "É uma empresa muito humana". Mesmo assim, ele conta que em sua empresa houve uma colega extremamente hostil à terapia. "Ela achava que era uma completa perda de tempo". É um argumento que Lock reconhece, dizendo que muitos setores são durões e resistentes a uma linguagem abertamente afetiva. Consequentemente, nem sempre ela chama seu trabalho de "terapia". A especialista, contudo, está otimista quanto ao futuro da terapia no ambiente de trabalho. Em parte porque há um número crescente de terapeutas buscando pacientes individuais, mas também porque a cultura corporativa está ficando mais receptiva a serviços que melhoram o bem-estar e a produtividade do funcionário. "Podemos ajudar uma empresa a recuperar sua energia, o que é importante em períodos de recessão", diz ela. Fonte Financial Times. Narciso Machado NCM Business Intelligence

Nenhum comentário: