20110404

Máquinas de escrever manuais ganham popularidade


Mesmo para os padrões do Brooklyn, foi um espetáculo curioso: doze máquinas mecânicas estavam em cima de uma toalha de mesa, emitindo sons ocasionais. Os compradores olhavam para a tenda, entusiasmados porém hesitantes, como se tivessem tropeçado sobre um tesouro de invenções estranhas de uma história de Júlio Verne. Alguns tiraram fotos com seus iPhones.
“Posso tocá-la?”, pediu uma jovem. Com a permissão garantida, ela apertou duas teclas ao mesmo tempo. A máquina enroscou. Ela recuou como se tivesse levado uma mordida.
“Estou apaixonado por todas elas”, disse Louis Smith, 28, um percussionista alto e magro de Williamsburg. Cinco minutos depois, ele comprou uma Smith Corono Galaxie II, de 1968, por US$ 150. “É uma questão de permanência, de não ser capaz de deletar”, explicou. “Você precisa ter uma certa convicção nos seus pensamentos. E esta é toda a minha filosofia sobre as máquinas de escrever.”
Sabendo ou não, Smith se juntou a um movimento que está crescendo. As máquinas de escrever manuais não estão desaparecendo na era digital. As máquinas têm atraído novos entusiastas, muitos jovens o bastante para não guardarem nostalgia pelas fitas gastas, dedos manchados e líquido corretor. E diferentemente dos datilógrafos de outrora, esse pessoal não está digitando na solidão.
Eles estão cultuando velhas Underwood, Smith Corona e Remington, reconhecendo-as como máquinas bem desenhadas, funcionais e bonitas, trocando-as e exibindo-as para os amigos. Numa série de eventos chamados “type-ins”, eles têm se reunido em bares e livrarias para ostentar um tipo de dignidade e estilo pós-digital, escrevendo cartas para mandar pelo correio e competindo para ver quem consegue datilografar mais rápido.
Donna Brady, 35, e Brandi Kowaski, 33, das Máquinas de Escrever Brady & Kowaski, fazem parte da subcultura dos revivalistas, que venderam a Smith Corono Galaxie II já mencionada numa tarde recente de sábado no mercado de pulgas do Brooklyn, uma feira de artesanato e antiguidades.
“Você digita muito mais rápido do que pode imaginar num computador”, disse Kowalski. “Numa máquina de escrever, você precisa pensar”. Ela e Brady começaram seu negócio de máquinas de escrever em abril passado. Até agora, eles reformaram e venderam mais de 70 máquinas, muitas para usuários de primeira viagem. Seu mote? “Desligue e reconecte”.
E os datilógrafos estão se reconectando por toda parte. Numa tarde de dezembro, cerca de uma dúzia de pessoas carregaram suas máquinas de escrever para o Pub Bridgewater na Filadélfia para o primeiro de uma série de type-ins. (“É como uma sessão de improvisação para pessoas que gostam de máquinas de escrever”, disse Michael McGettigan, 56, dono de uma loja de bicicletas que teve a ideia. “Antes os sindicatos faziam 'sit-ins' [protestos sentados] e os hippies faziam os 'be-ins', então eu pensei: 'bem, vamos fazer um type-in'”.)
Nos últimos três meses, os type-ins fizeram barulho em cidades de costa a costa e até fora dos EUA. Em 12 de fevereiro, mais de 60 pessoas apareceram em uma livraria de Snohomish, Washington, ao longo de três horas para um type-in chamado Snohomish Unplugged. Surgiram type-ins em Seattle, Phoenix e Basel, na Suíça onde chamam o evento de “schreibmaschinenfest”. Brady e Kowalski estão planejando fazer um type-in no McCarren Park, no Brooklyn. Por que homenagear a modesta máquina de escrever? Os entusiastas têm muitos motivos. Um deles é que as velhas máquinas de escrever eram construídas como navios de guerra. Elas sobreviveram aos piores tratamentos e reparos bem-vindos, diferentemente dos laptops e smartphones, que se tornam obsoletos quase no mesmo momento em que chegam ao mercado. “É como dizer: 'aí, está, Microsoft!'”, disse Richard Polt, 46, colecionador de máquinas de escrever de Cincinnati. Polt ensina filosofia na Universidade Xavier, onde ele está doando uma dúzia de máquinas para alunos e colegas interessados.
Outra virtude é a simplicidade. As máquinas de escrever são boas em apenas uma coisa: colocar palavras no papel. “Se eu estiver usando um computador, não há como me concentrar somente em escrever, disse Jon Roth, 23, jornalista que está escrevendo um livro sobre máquinas de escrever. “Eu checo meu e-mail, meu Twitter.” Quando usa uma máquina de escrever, Roth diz: “posso me sentar e saber que estou escrevendo. O som é de estar escrevendo.”
E há algo mais sobre as máquinas de escrever. Em mais de uma dúzia de entrevistas, jovens aficionados levantaram um tema em comum. Embora eles tenham crescido com computadores, gostam de ultrapassar as linhas da cultura digital. Assim como criar abelhas nas cidades, fazer tricô ou outras atividades da época do “faça você mesmo”, eles apreciam a concretude e a objetividade das coisas. Eles reclamam das doutrinas digitais que identificam o “progresso” humana como uma marcha sem fim em direção de uma eficiência maior, de uma máquina sem atrito.
Isso não os torna contrários à industrialização. Para muitos jovens usuários de máquinas de escrever, a velha tecnologia fica confortavelmente ao lado da nova. Matt Cidoni, 16, de East Brunswick, Nova Jersey, tem uma foto de sua máquina favorita, a Royal Nº 10, em seu iTouch para poder mostrar aos amigos. Na internet, ele é membro da “tiposfera”, uma comunidade global de aficionados por máquinas de escrever. Como muitos deles, ele gosta de “typecasting”, ou de datilografar mensagens na máquina de escrever, que ele escaneia e coloca em seu site, Adventures in Typewriterdom. Um de seus blogs favoritos de typecasting, o Strikethru, é feito por um funcionário da Microsoft. Na visão de mundo de Cidoni's, não há nenhuma incoerência tecnologia nisso tudo.
“Não me entenda mal”, disse Cidoni. “Eu tenho um iTouch. Tenho um celular, obviamente. Tenho um computador.” Ele também tem cerca de 10 máquinas de escrever, que usa para fazer tarefas de casa e escrever cartas – veja só – a uma velocidade de até 90 palavras por minuto. “Adoro a sensação tátil, o som, o contato das teclas com os dedos”, disse Cidoni.
Tom Furrier, que é dono da Cambridge Typewriter Co. em Massachusetts, vendeu várias máquinas de escrever para Cidoni e disse que os estudantes do colegial e faculdade se tornaram comuns nesse tipo de negócio. “Eu continuo perguntando: 'o que vocês estão fazendo aqui?'”, diz ele. “Mas tem sido essa coisa crescente. Os jovens estão chegando e entrando em contato com as máquinas de escrever manuais.”
Em janeiro, Furrier alugou uma dúzia de máquinas de escrever para Jen Bervin, 39, uma artista que estava dando um curso de escrita criativa de uma semana em Harvard. Quando as aulas terminaram na sexta-feira, vários alunos imploraram a Bervin para que ela deixasse eles devolverem na semana seguinte para dar uma última olhada nas máquinas. “Todos estavam tão entusiasmados com elas”, disse. (Quando contatada para uma entrevista, Bervin estava sentada no café do trem Amtrak, onde começou a usar sua própria máquina de escrever. Uma German Gossen Tippa dos anos 40, até que seu celular tocou.)
O que os entusiastas literários da máquina de escrever original pensam disso? “Para nós, antigos datilógrafos, sentimo-nos jovens novamente ao saber que há uma nova geração seguindo”, disse Gay Talese, 79. Ele ainda usa uma máquina de escrever, embora elétrica, assim como seu amigo, Robert ª Caro, 75, biógrafo de Robert Moses e do presidente Lyndon B. Johnson, ganhador do Pullitzer. Eles discutiam a Smith Corona Caro durante uma partida no Super Bowl.
“Não verdade não estou surpreso”, disse Caro, quando falou sobre o renascimento das máquinas de escrever. Os prazeres tangíveis das máquinas de escrever são algo que ele conhece há décadas. “Um motivo pelo qual datilografar é mais simples é que me faz sentir mais próximo de minhas palavras, disse Caro. “É como ser um carpinteiro. É como colocar as tábuas. É assim que é para ser a sensação.”

Um comentário:

Lagac disse...

Muito legal o texto, faz refletir, e pensar que tudo deveria ser uma maquina de escrever, deveriamos pensar mais e tornar as coisas mais simples e prazerosas.
Grande abraço Professor.
Luciano
lucianoagacosta@hotmail.com