20110418

Você pode ser um gênio mas eu nunca vou admitir isso.

Você pode ser um gênio mas eu nunca vou admitir isso.
Há poucos dias, mandei um e-mail para uma funcionária do departamento de viagens da empresa depois que ela agendou um vôo para mim: "Isso é uma maravilha, valeu". Ao cumprimentá-la de maneira tão calorosa por fazer seu trabalho, imaginei que estava sendo encantadora e graciosa.
Agora, porém, vejo que estava fazendo algo bem mais obscuro. Além de humilhar o idioma, havia lançado mão de uma droga que torna as pessoas desmotivadas, infantis e dependentes dos elogios. Essa minha mudança de pensamento foi provocada por uma discussão com um amigo colunista que acaba de ser contratado por um jornal concorrente.
Ele me disse que sua primeira coluna foi descrita por seu novo editor como "absolutamente brilhante". A segunda foi considerada "um material simplesmente extraordinário". E quando ele encaminhou a terceira, recebeu de volta um e-mail antes mesmo que o editor tivesse tempo de lê-la, que dizia: "Acertou na mosca, você é um gênio".
Quando disse que isso era muito bom, ele me olhou com desdém. O comentário o fez pensar que seu editor é um estúpido, o que por conseguinte também o fez se sentir estúpido. Ser considerado um gênio simplesmente por ter entregue a coluna a tempo foi algo degradante.
Meu amigo pode não ser, de fato, um gênio, mas definitivamente é uma pessoa esquisita - pelo menos em comparação a mim. Gosto muito de ser chamada de gênio. Muito embora eu prefira ter esse status concedido por coisas grandes, estou preparada para aceitá-lo por qualquer realização, mesmo por clicar "enviar" em meu computador.
Na verdade, não há elogio que me deixe desconfortável. Minha condição é humilhante, mas pelo menos é normal. Recentemente, um estudo da Universidade da Califórnia, em Berkeley, constatou que você pode bajular os outros indefinidamente. Não há um nível em que as pessoas vão dizer: chega, agora você foi longe demais.
Isso significa que sempre vamos longe demais o tempo todo. Nos Estados Unidos, as pessoas encorajam muito os elogios há gerações. Mas agora, no Reino Unido, tradições orgulhosas de cinismo e subestimação estão sendo abandonadas. A observação mais banal conta como um "insight", enquanto qualquer coisa que vagamente faça sentido é mencionada como tendo uma "lógica convincente". No Reino Unido, todos os trabalhadores são chamados de "talentos", não importa o quanto na verdade eles sejam medíocres.
Na KPMG, todo membro do staff é um gênio. "Temos 138 mil profissionais fora de série", diz a companhia em seu site, um exagero tão grande que eu pensaria duas vezes antes de permitir que a KPMG fizesse uma auditoria para mim.
O resultado dessa pressão inflacionária é que a linguagem deixou de ter significado. Dias atrás fui jurada de um prêmio concedido aos melhores programas de negócios da TV e um de meus colegas jurados descreveu seu indicado favorito como "moderadamente interessante". Naquele momento, fiquei um pouco decepcionada com sua falta de entusiasmo, mas agora vejo que ele estava certo: a maioria dos programas de negócios na TV é muito fraca, de modo que ser moderadamente interessante é um elogio e tanto.
A inflação dos elogios não danifica apenas o idioma, ela também é ruim para nós psicologicamente. O elogio é uma droga pesada, pela qual ansiamos cada vez mais e ficamos transtornados quando não a conseguimos. Quando alguém me disse recentemente que havia "gostado" de minha coluna, senti-me humilhada. Gostado? Depois disso, a única conclusão que me pareceu inevitável é que a pessoa havia odiado a coluna.
O mais preocupante em relação ao excesso de elogios é que ele nos torna menos bons em nossos trabalhos. Não por nos tornar complacentes, mas sim porque nos deixa neuróticos. Uma década atrás a Universidade Columbia fez uma experiência ao comparar crianças de 10 anos consideradas inteligentes com outras reconhecidas como esforçadas. O primeiro grupo ficou angustiado e desmotivado quando confrontado com qualquer tarefa que não conseguia fazer facilmente. O segundo enfrentou o fracasso com compostura: as crianças simplesmente trabalhavam com mais empenho para serem bem-sucedidas na próxima vez.
Como a maioria dos trabalhadores é parecida com crianças de 10 anos, os elogios no trabalho deveriam ser distribuídos da mesma maneira - nunca pela inspiração, sempre pela transpiração. Felizmente, segundo essa distinção, eu devo receber alguns elogios. O roteador sem fio de casa está quebrado, de modo que para entrar na internet passei horas de irritação ao telefone até conseguir falar com um vizinho e pedir para usar sua rede. Por ter conseguido enviar com sucesso a coluna para o jornal, mereço a distinção de gênio.
Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times".

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