20111011

A matemática está sendo usada para explicar o que não devia


Recebi na semana passada um e-mail de um "especialista em equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho", oferecendo dicas sobre como permanecer animado em tempos de agitação financeira. O que me impressionou mais na mensagem- além de ela ser uma tolice batida- foi a suposição de que precisamos ficar entusiasmados quando a economia está em crise.

Nunca vi nenhuma evidência de que a felicidade se move de acordo com a atividade econômica. Não sou menos feliz hoje do que no boom da metade da década de 2000. E se estou angustiada não é por causa da economia, e sim porque o forro do saguão de minha casa despencou e minha cama e minha geladeira estão empoeiradas.

Na verdade, é possível até um aumento da felicidade em períodos de recessão. Um estudo publicado há dois anos mostrou que as pessoas no trabalho ficam um pouquinho mais contentes em períodos de crise pelo simples fato de estarem empregadas.

Entretanto, segundo o press release da semana passada, o caminho para o bom humor em épocas de recessão está em "viver exponencialmente". Só o fato de olhar para essa frase faz meus níveis de felicidade caírem. A palavra "exponencial" vem sendo abusada por gestores que a usam para descrever qualquer crescimento que for um pouco mais que moroso. Enquanto na matemática um gráfico exponencial passa rapidamente do nível plano para o quase vertical, esse padrão raramente é traçado por qualquer mercado com o qual já me deparei.

Mas agora o termo parece ter se livrado completamente de seu ancoradouro matemático: viver "exponencialmente" envolve ter "tempo de qualidade consigo mesmo" e "viver de acordo com sua própria verdade."

Falando do ponto de vista de minha própria verdade, acho que algumas coisas são mais verdadeiras que outras. A mais verdadeira de todas é a verdade matemática e, desse modo, é perturbador vê-la sendo sempre roubada desavergonhadamente por inúmeros administradores ávidos por dar uma aura de fato ao que geralmente é tapeação. Isso é tudo, menos exponencial.

Agora qualquer acontecimento nos negócios é chamado de "data point" (ponto de dados) e a mudança é cada vez mais conhecida como "delta", como na frase "qual é o delta disso?". "Ponto de inflexão" é tão aviltante quanto. Na matemática, isso é quando a curva passa do positivo para o negativo, mas para os administradores trata-se de uma maneira grandiosa de dizer máximo ou mínimo.

No mês passado vi a situação ser ainda mais degradada em um artigo entusiasmado demais publicado no "Huffington Post", escrito por um empreendedor social e intitulado "O Ponto de Inflexão, O Momento 'Aha'" -em que esse ponto não significa absolutamente nada.

Os administradores têm um longo histórico de comportamento imprudente com porcentagens com o objetivo de fazê-los parecer melhores. Quando o assunto é esforço, um impossível 110% é usado para ser considerado como o mínimo indispensável.

Agora a hiperinflação se estabeleceu. Poucas semanas atrás na Austrália, o maior porcentual ilegítimo de todos os tempos foi registrado quando o ex-jogador de críquete Tim Nielsen disse que a "Austrália está 100.000% atrás de ser o melhor time do mundo".

Todo tipo de coisa está errada quando é transferida da matemática para o vocabulário dos negócios. "Decimalizar" significa reduzir em um décimo; não significa cortar. "Infinito" significa imensamente grande; não é uma expressão geral para "muito". E "quantum" é algo muito, muito pequeno, e não algo muito, muito grande.

No entanto, mais infeliz do que qualquer uma das expressões acima é a frase "faça a matemática". Estaria tudo bem se isso significasse um convite autêntico ao uso da régua de calcular. Mas na verdade é uma maneira ligeiramente ameaçadora de afirmar: estou certo e a lógica está do meu lado.

No mês passado, Barack Obama alegou que seu pacote de impostos "não é uma guerra de classes. É matemática". Mas na verdade não é matemática. Mesmo assim, pelo menos o presidente Obama é americano e desse modo a frase soa melhor em sua boca. Na semana passada ouvi na BBC Radio Four um britânico falar sobre a extrema direita na política do Reino Unido, conclamando os ouvintes a "fazer a matemática"- o que soou ainda pior.

A coisa mais estranha sobre todo esse uso equivocado da matemática é que quando há uma necessidade real de se discutir números, os administradores ficam envergonhados e os termos numéricos apropriados não aparecem.

Na verdade, nos negócios os números não são mais chamados de números- eles são chamados de "métrica". O que é um pouco bizarro quando você se dá conta de que a métrica é o estudo das medidas na poesia. E nas bocas dos administradores modernos, os números não fazem mais coisas básicas como aumentar e diminuir: eles vão para o norte ou para o sul, como se fossem pontos em um mapa.

Participei de um encontro na semana passada em que um diretor financeiro disse as seguintes palavras: "Estamos nos esforçando para a nossa métrica ficar no norte da marca de 3 moinhos". Se ele tivesse feito a matemática antes de abrir a boca, poderia ter colocado a coisa de uma maneira melhor e dito: o número será maior que 3 moinhos, ou X$>3m.
Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times".

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