20110613

Ressalvas e avisos legais nos e-mails

A insolência das ressalvas e dos avisos legais nos e-mails.
Essa coluna pode ser ilegal. Ao redigi-la, estou convidando a companhia holandesa de produtos eletrônicos Philips a me processar - e até espero que ela faça isso. Eu seria, então, a primeira pessoa na história a ser levada a um tribunal por desobedecer ao parágrafo legal mais inoportuno e sem sentido jamais elaborado.
O contrato que estou prestes a romper é aquele que se encontra na parte de baixo de quase todos os e-mails de negócios. Em termos simples, ele diz que se a mensagem não for endereçada a você, é preciso "deletá-la", notificar o remetente e não comentar sobre ela com ninguém. Não sou a primeira a ignorar tal ordem. Na verdade ela é desprezada centenas de milhares de vezes a cada hora - quase todas as vezes que alguém encaminha alguma coisa no trabalho.
Dia desses, recebi uma mensagem que definitivamente não havia sido endereçada a mim, mas foi repassada por um leitor que imaginou que podia ser. Ela foi escrita por Frans van Houten, o novo presidente-executivo da Philips, e enviada para todos os seus cem mil funcionários para informá-los de uma nova iniciativa da administração.
"Definimos um novo conjunto de valores, uma vez que eles nos ajudarão a obter nosso potencial pleno em um mundo que muda rapidamente", disse. Van Houten explicou que as novas regras iriam "substituir os 4 Ds" - que são coisas deploráveis, desanimadoras, derivativas e deprimentes. Ele também citou Gandhi, que certamente jamais diria as palavras "Seja a Mudança", se soubesse a quantidade de iniciativas administrativas duvidosas que seriam lançadas baseadas nelas.
Ele termina convidando os subordinados a embarcarem com ele numa "jornada" chamada Acelere! "Pedimos aos 200 líderes que Acelerem! Por favor, juntem-se a mim e Acelerem!, para que vençamos juntos." Logo abaixo do término dessa mensagem comovente estava a ressalva normal. Ela dizia que se você não fosse o "receptor pretendido, ficava notificado que qualquer uso, transferência, disseminação ou reprodução da mensagem é proibida. Por favor entre em contato com o remetente retornando o e-mail e destruindo todas as cópias da mensagem original".
Em vez de fazer o que fui instruída, decidi seguir a lei comum da internet. Ela decreta que sempre que você receber uma mensagem estúpida, precisa enviá-la para todas as pessoas que estão em sua lista de endereços, ou postá-la em seu blog, ou, se você tiver sorte o suficiente para ter tal coisa, escrever sobre ela em uma coluna de jornal.
Ao fazer isso, estou pelo menos notificando o remetente, embora talvez não da maneira que sua ressalva pretendia. Minha justificativa para repassar o e-mail é que o mundo precisa saber quando as companhias abertas estão cedendo a tolices administrativas. Penso ser justo apostar que o Acelere! - apesar do entusiasmo adicional proporcionado pelo ponto de exclamação - não vai ajudar a empresa a "obter seu potencial pleno" em nenhum mundo, em rápida mutação ou não.
É claro que a Philips poderá me colocar numa corte de justiça. Se fizer isso, não acho que ela vá vencer. Consultei alguns especialistas que me asseguraram que, pelas leis europeias, é impossível impingir esse tipo de contrato a alguém unilateralmente. Avisos legais sobre e-mails não podem ser impostos, o que me leva a pensar por qual razão eles são tão populares. A única explicação plausível é que as companhias as usam simplesmente porque os outros fazem isso; ninguém ousa ser o elemento discrepante.
Na semana passada recebi um e-mail de alguém que trabalha no banco francês BNP Paribas, com uma longa ressalva que fez a da Philips parecer contida. Ele começou fazendo definições legais de termos em inglês e em francês. Finalmente, após uma série inteira de alertas pesados nos dois idiomas, instrui os receptores de uma maneira mandona: "Favor considerar o ambiente antes de imprimir".
É muita insolência. Qualquer pessoa que decidir imprimir esse e-mail (uma decisão que certamente cabe ao receptor, e não ao remetente) fica assim forçada a desperdiçar ainda mais tinta e papel, uma vez que esses parágrafos são automáticos e reproduzidos desnecessariamente na cópia impressa.
Fico feliz em informar que os e-mails enviados do sistema "FT" não são mandões nem ameaçadores, e aparecem em apenas um idioma. Eles terminam assim: "Esse e-mail foi enviado por uma companhia controlada pela Pearson plc...Registrada na Inglaterra e País de Gales com o número de empresa 53723".
Ele é bom por ser breve, embora tenha um dado numérico. Aposto que ninguém que já recebeu um e-mail enviado por mim o tenha achado divertido. Há, contudo, uma maneira de tornar o término automático de um e-mail melhor e mais breve: não usá-lo.
Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times".

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