20110606

O desafio de manter o engajamento

O desafio de manter o engajamento dos que trabalham nos clientes.
O aumento da terceirização de serviços qualificados traz um novo desafio para as consultorias: manter motivados e conectados com a cultura corporativa os funcionários que passam a maior parte de seu tempo trabalhando "fora de casa". Frequentemente alocados em projetos de clientes, muitos desses profissionais estão entre os mais disputados do mercado. É o caso dos auditores e dos especialistas em tecnologia, por exemplo, talentos-chave que fazem cada vez mais parte das estratégias de engajamento das companhias onde trabalham.
A falta de vínculo desses profissionais com a cultura da empresa tem sido uma fonte de preocupação dos gestores. O receio não é injustificado, pois esses funcionários chegam a passar até seis meses fora do escritório, como acontece na pwc, multinacional com quatro mil funcionários no Brasil. Segundo o sócio João César Lima, aproximadamente 70% do tempo dos profissionais é gasto fora da companhia, em projetos de consultoria e auditoria nos clientes.
Esse estilo de trabalho fez com que a empresa colocasse em sua estratégia o reforço constante de seus valores e cultura, o que acontece principalmente nos treinamentos que a pwc oferece. "Já no momento do recrutamento, deixamos claro que a rotina será fora do escritório. Mas eles não perdem o vínculo porque, além dos treinamentos, providenciamos suporte técnico e profissional para que consigam sempre trocar informações com a empresa", diz. Um exemplo, segundo Lima, é uma linha telefônica gratuita para a qual os profissionais podem ligar e tirar dúvidas sobre processos internos. A estratégia deu certo e o "call center" costuma receber, em média, mais de duas mil ligações por mês. "Tentamos dar mais qualidade de vida e, ao mesmo tempo, auxiliá-los com os problemas que surgem no trabalho."
Visitas comerciais, consultorias e participação em projetos de clientes compõem a maior parte da rotina do gerente Alessandro Buonopane. Funcionário da consultoria everis, o executivo passa aproximadamente 70% do seu tempo fora da empresa - com 21 anos de experiência em tecnologia, ele já se habituou ao ritmo dos profissionais dessa área. Apesar de passar boa parte do horário de trabalho longe da companhia, Buonopane dedica algumas horas de seu tempo livre para projetos extracurriculares com os colegas. Além de participar do grupo de corrida da everis, ele também toca bateria na banda formada por funcionários. "Nos encontramos aos domingos para correr e também ensaiamos toda semana em um estúdio pago pela empresa", conta.
O investimento em programas de interação entre os funcionários foi uma das saídas encontradas pela everis para combater a "despersonalização" causada pelo trabalho remoto. Teodoro López, presidente da companhia, afirma que essa rotina é particularmente difícil em cidades como São Paulo, onde as distâncias e o tempo de deslocamento dificultam a manutenção da cultura corporativa entre as equipes. Há três anos, a multinacional, que tem 800 funcionários no Brasil, desenvolve ações para aproximar essas pessoas, com programas que vão desde "happy hours" mensais com o presidente, aberto a todos os profissionais, até a formação de grupos esportivos e culturais. "Também levamos o RH para tirar dúvidas e dar suporte a equipes que estão no escritório de clientes", afirma. As iniciativas, segundo López, vêm dando frutos. No último ano, o "turnover" caiu 20% em relação ao de 2009, e a pesquisa de clima apontou crescimento médio de 15% na satisfação profissional dos funcionários.
Willian Bull, consultor sênior do Instituto Pieron, afirma que promover a confraternização e a união dos profissionais em situações fora do trabalho não é determinante para o engajamento, mas pode ajudar. "Independentemente do evento, o importante é a troca de informações entre esses profissionais. Falar das dificuldades e conhecer pessoas que estão no mesmo barco fazem com que eles se sintam menos sós e tenham um propósito em comum", afirma.
Na consultoria multinacional de benefícios AON Hewitt, a solução para manter os funcionários "externos" motivados foi a estruturação de uma gerência de outsourcing, somada a uma mudança de cultura. Agatha Alves, gerente de recursos humanos, conta que, há quatro anos, a empresa fez um diagnóstico do engajamento desses profissionais e não encontrou bons resultados. "Existia uma mistificação de que a distância física atrapalhava o negócio porque o funcionário não se sentia parte da empresa", diz. A criação de uma nova área fez com que a equipe ganhasse mais atenção e tivesse uma liderança clara.
Foram instituídas reuniões mensais em que os funcionários podiam se reciclar, manter contato entre si e conversar com seus gestores sobre os seus planos de carreira e desenvolvimento. A mudança impulsionou o crescimento da área, que quadruplicou desde 2007. Hoje, 160 funcionários da AON trabalham alocados no cliente, o equivalente a 15% do total de colaboradores da consultoria. "Um dos incentivos para esses profissionais é saber que eles são os próximos na sucessão para aproveitamento interno. Hoje, 80% das vagas que surgem são ocupadas por pessoas provenientes da área."
Esse é o caso da gerente outsourcing Regiane Reis, que entrou em 2006 na AON como assistente. "Ganhei o apelido carinhoso de 'back up', porque minha função era substituir profissionais que estavam doentes, de licença médica ou que não pudessem comparecer no cliente", diz. A rotina profissional, segundo ela, era desmotivadora. "Não tinha um gestor direto. A única perspectiva de carreira que eu tinha era ser assistente interno, uma espécie de suporte para os consultores", conta.
A experiência com os diversos clientes, porém, deu bagagem à executiva e, em pouco mais de um ano, ela já conhecia os maiores. "Recebi a proposta para ser coordenadora e, pouco depois, fui promovida a gerente", diz. A proximidade com a liderança e a possibilidade de ter um plano de carreira, segundo ela, foram determinantes para torná-la mais engajada. "No começo, sentia-me um pouco abandonada. Com o tempo, a área foi se estruturando, ganhamos o suporte da empresa e cresci profissionalmente", afirma.
De acordo com Willian Bull, o relacionamento e a confiança na liderança são essenciais para manter o comprometimento dos funcionários que trabalham fora da empresa. Para ele, por mais maduro e competente que seja o profissional, em algum momento ele quer discutir assuntos relacionados ao trabalho e a sua própria posição dentro da companhia. "O líder precisa definir objetivos e atribuir tarefas. O bom diálogo com os colaboradores sempre tem um impacto positivo no engajamento."
Ter um contato próximo, porém, não significa limitar a autonomia desses profissionais. Segundo Bull, é preciso aprender a delegar e confiar no trabalho realizado, sempre levando em consideração o perfil pessoal do funcionário. "É importante perceber se ele consegue trabalhar sozinho e ser desafiado por isso sem se frustrar com a falta de contato."
Na opinião do consultor, pessoas que prezam muito o relacionamento e precisam compartilhar o tempo todo não têm o perfil adequado para esse tipo de atividade. A confiança também é um trunfo para conquistar profissionais mais comprometidos. "Promessas descumpridas, falta de coerência e de comunicação afetam negativamente o engajamento."
Jornal Valor - Daniel Wainstein/Valor

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