20110204

Funcionários vão para a floresta vivenciar as questões ambientais

Romio Simões, gerente do HSBC, ficou duas semanas na reserva do rio Cachoeira (PR) e agora é um "líder climático" do banco
Ele trabalha no centro financeiro do país e vive de gerenciar pessoas e seus ativos. Mas duas semanas de imersão na floresta, medindo troncos de árvores e analisando folhas do chão, fizeram de Romio Simões, gerente de uma agência do HSBC da Av. Paulista, mais que um funcionário especializado em seu métier. Aos 37 anos, Romio é um "climate champion" - uma liderança climática criada a partir de um programa global do banco para engajar seus colaboradores com a sustentabilidade.
Romio faz parte de um grupo de 2 mil funcionários do banco britânico no mundo que, ao longo de cinco anos, serão capacitados sobre a importância dos ecossistemas, oceanos, florestas e das heranças culturais, em um projeto de US$ 100 milhões. Com isso, o HSBC pretende não só reforçar sua imagem de comprometimento com um ambiente saudável mas - por que não? - prospectar novas oportunidades de negócio e aumentar a fidelidade de sua equipe.
Assim como o HSBC, esse novo movimento de engajamento começa a despontar em empresas brasileiras de diferentes áreas de atuação. De um ano pra cá, dizem os especialistas, cresceu o interesse por ações que, além da filantropia, visam incutir uma cultura ambiental à empresa. O raciocínio por trás disso é simples: não adianta pregar conceitos a clientes que não são seguidos dentro de casa.
"Temos de ser coerentes com o nosso discurso de sustentabilidade e trazer os colaboradores para a causa", diz Larissa Criveli, analista de recursos humanos do Grupo Positivo. Com 12 mil funcionários, a empresa realizou em novembro um projeto-piloto de quatro dias no qual professores e funcionários da gráfica de Curitiba visitaram uma reserva florestal do Paraná para, numa ação similar à de Romio, analisarem a situação da mata à medida em que a temperatura sobe. "Agora queremos estender o programa a outros funcionários".
As filiais da Alcoa, Shell e British American Tobacco (controladora da Souza Cruz) e Ernst & Young Terco também planejam suas primeiras ações nesse sentido no país. Nos últimos dois anos, a E&Y Terco tem trabalhado em programas de voluntariado em fazendas de café na Costa Rica para melhorar as práticas sustentáveis na produção agrícola. Lá, os funcionários ajudam na condução de pesquisas de campo, coleta e análise de grãos e contribuem para a geração de novos negócios aos produtores. "Eles retornam das expedições com uma compreensão de como incorporar a sustentabilidade no dia a dia e engajar clientes", diz a empresa.
Embutir o conceito de sustentabilidade dentro da companhia tem sido um objetivo cada vez mais almejado. Os executivos já encaram as práticas sustentáveis como cruciais para seus negócios e carreiras. A dificuldade, porém, ainda está em aplicá-las. Uma pesquisa mundial realizada pela consultoria Accenture com quase 900 CEOs e seus auxiliares imediatos apontou que apenas 54% admitem que conseguiram esse feito. Uma das explicações é a competição para a definição de prioridades estratégicas.
Por isso, o programa de engajamento de funcionários do HSBC chama a atenção. As decisões, além de ousadas, vieram "top-down". A sustentabilidade é estratégica para o banco, que tem metas internas a serem atingidas, incluindo os programas de voluntariado ambiental. "É o nosso CEO (Conrado Engel) quem anuncia as convocações e parabeniza funcionários que participam", explica Ariel Silva, gerente de sustentabilidade do HSBC no Brasil.
Intitulado "HSBC Climate Partnership", o programa foi desenvolvido em 2007 com um desafio ousado: realizar a maior experiência do setor privado de campo sobre o impacto da mudança do clima em florestas temperadas e tropicais.
Com a ajuda de parceiros de ponta - Smithsonian Tropical Research Institute, Climate Group, WWF e o Earthwatch Institute -, o banco britânico criou cinco centros climáticos no mundo para os quais encaminha os colaboradores. Esses centros são bases de pesquisa científica localizadas em porções de florestas na China, Índia, Reino Unido, Estados Unidos e no Brasil.
A cada mês, grupos de 12 funcionários passam duas semanas nesses centros em um trabalho científico de coleta de informações das florestas que depois serão analisadas por cientistas. No caso brasileiro, a unidade serve de base para todos os colaboradores do HSBC da América Latina: 308 já passaram por ali, sendo 92 brasileiros.
Localizada na reserva do rio Cachoeira, o fragmento de floresta estudado faz parte da Mata Atlântica, uma das florestas mais ricas em biodiversidade e que hoje se encontra ameaçada pelo homem. Ali, os colaboradores do banco não têm hierarquias diferenciadas: cozinham, comem, dormem e aprendem juntos, medem árvores, recolhem frutos e folhas, levam as amostras para os laboratórios e catalogam tudo. A turma seguinte continua o trabalho do ponto onde a anterior parou. O monitoramento vai seguir mês a mês até 2012, quando o HSBC espera apresentar o mais abrangente relatório privado sobre as mudanças em florestas tropicais e temperadas do mundo.
Para Germano Vieira, representante da Earthwatch no Brasil, trata-se de formar cidadãos-cientistas. "Queremos criar a massa crítica para promover a mudança", diz.
Ao fim do trabalho de campo, o grupo é submetido a aulas noturnas sobre sustentabilidade. "Discutimos casos reais de erros e acertos do HSBC e apresentamos casos hipotéticos para que os voluntários analisem se é de interesse do banco ou se nos colocaria em risco", diz Silva.
No sistema financeiro, esse tipo de análise faz todo o sentido. No passado recente, empréstimos do IFC (o braço do setor privado do Banco Mundial) a produtores de dendê acusados de desmatamento na Malásia e ao então frigorífico Bertin na Amazônia provocaram uma enxurrada de críticas internacionais que colocaram em dúvida a capacidade de financiamento do órgão responsável. Não deu outra: stakeholders do banco realizaram no ano passado uma ampla revisão dos critérios socioambientais para financiamento do grupo.
O retorno dessas ações foi medido recentemente pelo HSBC. Pesquisa encomendada à Ashridge Business School, do Reino Unido, mostrou informações valiosas ao banco. Dos funcionários que participaram do programa, metade (55%) disseram que foi uma experiência de vida "muito forte", 98% recomendariam a outros colegas e 41% afirmaram que a experiência científica mudou a maneira como encaram a vida. Já teria sido um bom resultado. Mas 79% também disseram que se tornaram mais comprometidos com o banco, 68% que melhoraram a habilidade de trabalho em grupo e 69% aperfeiçoaram a habilidade de liderança. "Percebemos essa mudança de postura nas pessoas", afirma Silva, que diz ter registrado três demissões de funcionários que decidiram se tornar ambientalistas após o programa climático do banco. (Bettina Barros | De São Paulo - Daniel Wainstein/Jornal Valor).

Nenhum comentário: