20110210

Endereço de internet enfrenta exaustão

O ritmo vertiginoso de crescimento da web encontrou um grande obstáculo na semana passada. Toda vez que alguém digita um endereço de internet, o que o computador procura, na verdade, é a sequência de números correspondente ao site em questão. O problema é que a quantidade de combinações disponíveis está prestes a acabar.
Na quinta-feira, a Internet Assigned Numbers Authority (Iana), órgão que coordena a distribuição desses endereços, entregou os últimos destinos sob o padrão atual da internet, o chamado IPv4. Quando chegar a seu limite, o IPv4 terá fornecido 4,3 bilhões de endereços eletrônicos.
A distribuição do lote final na semana passada é algo semelhante ao esgotamento dos números de telefone disponíveis em uma operadora. Em um cenário apocalíptico, a internet ficaria estagnada tão logo as combinações restantes - agora nas mãos dos representantes regionais da Iana no mundo - fossem utilizadas.
A saída para evitar esse desastre é a adoção de um novo padrão, o IPv6. Como toda mudança, essa também tem um custo. Na primeira fase, a transição vai exigir que operadoras de telefonia e provedores de conteúdo e serviços ajustem sua infraestrutura para se adaptar à nova fórmula. Depois, será a vez de empresas e governos.
No Brasil, o processo de adaptação parece bem encaminhado. De acordo com o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), 300 pedidos de blocos de endereços IPv6 já foram feitos. Parece pouco, mas não é. Existem no Brasil 900 grandes redes que conectam o país à internet. Isso significa, portanto, que um terço delas já começou a se adaptar, destaca o coordenador de projetos do NIC.br, Antônio Moreiras.
A Telefônica tem planos de colocar os novos endereços em funcionamento até o fim do ano. Segundo Ari Falarini, diretor-executivo de redes da operadora, foram cinco anos de testes e preparação para a transição.
O UOL vem estudado o IPv6 há três anos, mas ainda não tem uma data para colocar um site compatível no ar, diz Enildo Barros, diretor de infraestrutura da empresa. Já a Tecla Serviços de Internet oferece endereços IPv6 a seus clientes desde o ano passado.
"Mais empresas de grande e médio portes têm procurado treinamento e consultoria para usar o IPv6", diz Igor Giangrossi, consultor de engenharia da fabricante de equipamentos de rede Cisco. De acordo com Giangrossi, o interesse começou a se intensificar em 2009, quando a Iana e outras organizações passaram a dar alertas mais constantes sobre os riscos de esgotamento do IPv4.
O governo brasileiro também está com o tema em pauta. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirmou recentemente que pretende estimular a criação de uma espécie de manual para orientar principalmente os pequenos municípios no processo de transição de tecnologias.
As autoridades não podem obrigar ninguém a fazer a transição. Governos como o dos Estados Unidos, no entanto, têm usado seu poder de compra para estimular a indústria a produzir equipamentos adequados e a fazer as adaptações o mais depressa possível.
É difícil estimar quanto terá de ser investido na inciativa. Os custos podem ser diluídos nos gastos recorrentes com substituição de equipamentos de telecomunicações. Em alguns casos, como o da Tecla, especializada em serviços de hospedagem de dados, o custo da mudança ficou restrito à mão de obra, segundo a companhia.
Entre o fim de 2009 e o começo de 2010, a Tecla manteve dois profissionais trabalhando em tempo integral na migração para o IPv6. Em cerca de três semanas o processo estava concluído. Segundo Cristian Gallegos, a infraestrutura da companhia já estava pronta para a tecnologia. Bastou fazer alguns ajustes na parte de sistemas. "Se a casa está em ordem, a adaptação é muito tranquila", diz o executivo.
De acordo com Gallegos, dentre os 13 mil clientes da Tecla, são poucos os que têm usado o sistema IPv6. "Eles estão indo mais devagar", afirma. Na avaliação de Barros, do UOL, o processo de migração começará a se acelerar no ano que vem, quando as operadoras já tiverem suas estruturas prontas e começarem a pressionar outras pontas da cadeia.
O internauta comum provavelmente não terá de colocar a mão no bolso para atualizar sua conexão, dizem os especialistas. A expectativa é de que, para ele, a mudança de padrão será imperceptível. Dependendo do caso, alguns usuários podem ter de trocar seus modems e roteadores. Há risco, também, de alguma lentidão no acesso a determinados sites. A intensidade desses efeitos colaterais vai depender do planejamento dos provedores de acesso e conteúdo.
A boa notícia é que esse esforço dificilmente se repetirá nas próximas décadas. Comparado ao IPv4, seu sucessor permite 79 trilhões de trilhões de vezes mais combinações. Isso não é erro de digitação. É endereço que não acaba mais.

CONTEXTO

As empresas ainda têm algum tempo para planejar a migração do IPv4 para o IPv6: apesar de o estoque central da Internet Assigned Numbers Authority (Iana) ter acabado, seus cinco representantes regionais no mundo ainda têm estoques IPv4 disponíveis. Com o rápido crescimento da internet, entretanto, essas reservas não vão durar muito. No Brasil, a estimativa do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) é de que os endereços acabem em 2012. Na Ásia, o estoque pode ser consumido até o fim do ano. Um estudo da fabricante de equipamentos de rede Ericsson estima que em 2020 o mundo terá 50 bilhões de dispositivos conectados à internet, um número dez vezes maior que o existente hoje. Na conta estão incluídos telefones celulares, computadores, carros, eletrodomésticos e outros dispositivos. Especialistas dizem acreditar que o IPv4 e o IPv6 vão conviver por muito tempo. Isso porque existem mecanismos técnicos que permitem converter conteúdo de um padrão para o outro e recursos que possibilitam melhorar o uso de um mesmo endereço IPv4, dividindo-o entre diferentes equipamentos. A avaliação, no entanto, é de que esses recursos são paliativos e podem resultar em problemas como a queda na velocidade de conexão dos internautas à rede. Com mais endereços disponíveis, o IPv6 traz também uma vantagem na área de segurança: como cada dispositivo terá um endereço único, será mais fácil rastrear criminosos digitais.

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