20120324

Administrar sonhos para gerir pessoas

Deuza Miguel, ascensorista no shopping Eldorado, conseguiu realizar seu sonho profisisonal
 “Ninguém sonha em trabalhar com limpeza”, explica a gestora de conservação do shopping Eldorado, Juliana Silveira. Líder da equipe de 131 pessoas que mantém o shopping de 171 mil metros quadrados da capital paulista sempre limpo para o visitante, há cerca de seis meses ela começou a perguntar para seus colaboradores quais eram, de fato, seus sonhos.

Juliana se inspirou no livro “O Administrador dos Sonhos”, de Matthew Kelly, para espalhar cartazes pelo shopping com a simples pergunta “Qual é o seu sonho?”. Intrigados, os funcionários foram convidados a participar de um café da manhã que explicava que o shopping começaria a promover “sessões de sonhos” para os colaboradores da área de conservação e limpeza, durante as quais eles seriam convidados a conversar com Juliana e outro gestor – o gerente de operações Sérgio Nagai ou o coordenador da mesma área, Arthur Lapa – sobre quais eram seus maiores desejos e como alcançá-los.

Para Deuza Miguel, que deixou um cargo de ascensorista em uma empresa de eventos para entrar para a equipe de limpeza do Eldorado porque queria trabalhar no shopping preferido, o sonho era voltar aos elevadores. Apesar de nunca ter deixado de usar a maquiagem colorida e o sorriso mesmo quando limpava os corredores – chegava até a ensinar às colegas a pintar o rosto nos intervalos –, a satisfação ao conversar sobre o trabalho de operar os elevadores que ligam os seis andares do shopping é visível. “Acho que da turma aqui, sou a mais feliz”, diz, entre risadas, informando que não vai sair do cargo tão cedo.

Quando ela revelou o sonho aos gestores da empresa, o shopping ainda terceirizava o serviço de ascensorista. No início do ano, as vagas passaram a ser internas e Deuza foi orientada a se inscrever. Passou por todas as etapas de seleção e hoje, há um mês no novo trabalho, conta que está conseguindo ir atrás de outro sonho, já  que o novo horário a deixa com as manhãs livres: aprender inglês, como faz o filho. “Já até treino no trabalho”, diz.

Além do setor de shoppings e serviços enfrentar um alto índice de rotatividade – no Eldorado, que tem 450 colaboradores, a taxa chega a 40% –, a área de limpeza e conservação precisa lidar com um nível ainda maior de falta de motivação e comprometimento. “É uma das áreas mais delicadas, com maior dificuldade de atração”, explica a superintendente do shopping, Fernando Rheingantz. Muitos dos sonhos se assemelham ao de Deuza e envolvem sair da área de limpeza, mas os gestores do shopping dizem que esse tipo de rotatividade interna é saudável.  “Significa que eles estão progredindo dentro da empresa”, explica o gerente de operações, Sérgio Nagai. “Esse tipo de processo alimenta a cadeia, e faz com que mais pessoas venham trabalhar com a gente”. Rheingantz, que pagou a faculdade trabalhando na área de limpeza, explica ainda que a movimentação evita o “marasmo” entre os funcionários e beneficia o plano de sucessão da empresa. “Cria um reconhecimento que se espalha pelo shopping inteiro”, diz.

Sandra Maria também sonhava em deixar a área de limpeza, mas para trabalhar como vigilante. O principal impedimento era a falta de tempo para realizar o treinamento exigido para assumir a função. “Estava considerando pedir as contas para ir atrás”, explica. Conversando com os gestores, encontrou um curso que promovia aulas aos sábados e domingos e foi liberada por oito fins de semana para frequentar a capacitação, que pagou com o dinheiro que já estava juntando.

Juliana reforça que o programa implementado no Eldorado é similar a um exercício de coaching e não pretende oferecer assistência financeira. “Procuramos recursos gratuitos ou dentro do orçamento dos colaboradores, porque a ideia principal é orientar”, explica. Quando o shopping abriu novas vagas para segurança, Sandra se inscreveu e hoje completa pouco mais de um mês na função. Mas já responde sem hesitação que, como próximo sonho a realizar, quer virar bombeira.

O shopping separou uma sala para abrigar as “sessões de sonhos”, onde Juliana e os outros gestores recebem os colaboradores, durante o expediente e com hora marcada. Até agora, 30 já escolheram participar e outros quatro estão aguardando para começar as sessões a partir de abril. A ideia é, em breve, expandir a iniciativa para outros colaboradores além da área de limpeza. Outros três shoppings da rede Ancar Ivanhoe já estão desenvolvendo programas parecidos.

O piauiense Raimundo Nonato chegou a São Paulo há dois anos e desde então trabalha como auxiliar de limpeza no shopping – o primeiro emprego de carteira assinada, aos 52 anos. Seu sonho era voltar a estudar, pois havia largado a escola “ainda muito moço”, e nunca teve tempo ou foi atrás da oportunidade para retomar os estudos. Com a ajuda dos gestores do shopping, encontrou uma escola perto de casa, em Embu das Artes, que oferece um programa de Educação a Jovens e Adultos (EJA), e foi transferido de turno pelo shopping para poder frequentar as aulas à noite. Com a melhoria na formação, espera, assim como Deuza e Sandra, “subir de cargo” no futuro.

Juliana conta que o principal objetivo do programa é fazer com que os participantes “aprendam a sonhar novamente” e explica que o simples fato de levantar a questão fez com que vários colaboradores voltassem a pensar em planos que muitas vezes haviam deixado para trás, como aconteceu com Nonato. “Queremos estimular as pessoas a planejar seus desejos e mostrar que o shopping pode ser uma ponte”, explica. Muitos dos sonhos que incluíam comprar casa própria, quitar dívidas ou adquirir novos bens levaram os gestores a montar planilhas de orçamento doméstico para os funcionários e dar orientação sobre poupança e investimento – alguns colaboradores ainda guardavam dinheiro embaixo do colchão. As atividades tiveram até a ajuda da diretora da área financeira. “Movimenta o shopping todo”, diz Rheingantz.

Alguns outros sonhos parecem menos relacionados ao trabalho, mas impactam diretamente a vida dos colaboradores. Foi o caso de Luciano Teixeira, também auxiliar de limpeza, cujo sonho está movimentando a equipe. Ele se mudou para São Paulo, vindo da Bahia, Estado onde cresceu, para virar chef de cozinha. Mas quando viu a pergunta dos gestores escolheu apostar em outro desejo: conhecer o pai, que não o registrou. O sonho ainda está em andamento e cada um dos gestores trouxe uma ideia diferente para atingir o objetivo – desde enviar cartas para programas de televisão até fazer buscas com o nome do pai, que Teixeira conseguiu com as tias. “Todo mundo merece uma segunda chance”, explica o jovem, que diz já imaginar o dia em que Juliana irá aparecer com o pai no shopping. “Você aprende sobre a vida da pessoa e cria um vínculo de confiança”, explica a gestora.

Algum tempo depois de implementado o programa, os outros “administradores de sonhos” chamaram Juliana para a mesma sala para perguntar a ela qual era o seu maior desejo. “Além de ver minhas filhas crescerem felizes, profissionalmente o que eu quero é trabalhar na área de recursos humanos”, ela respondeu. FONTE Jornal Valor. 

 Narciso Machado

 NCM Business Intelligence

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