20111104

Índia é um pesadelo para empreendedores


Vishwaprasad Alva diz que o problema mais frustrante que encontrou ao se tornar um empreendedor na Índia foram as quadrilhas que agrediam os funcionários de sua fábrica.

Elas "jogavam pedras nos trabalhadores, batiam no supervisor", diz Alva, cuja empresa produz máquinas de raio X. "Perdemos um ano e meio com isso."

É difícil ser um empreendedor em qualquer lugar do mundo, mas a Índia apresenta obstáculos especiais — uma burocracia onerosa, estradas e redes de energia decrépitas, pressões culturais que penalizam a tomada de risco e corrupção. Alva diz os bandidos exigiam dinheiro para ir embora. E ele não queria pagar.

O empreendedorismo é vital para a Índia, um país de 1,2 bilhão de pessoas que tenta reduzir a pobreza através do crescimento econômico. Pequenas e médias empresas são os maiores empregadores não-agrícolas e são responsáveis por 45% da produção industrial, segundo dados do governo e de um estudo da PricewaterhouseCoopers e da Confederação da Indústria Indiana publicado no mês passado. As pequenas empresas têm adicionado cerca de 3,3 milhões de empregos por ano — o que não é o suficiente para acomodar as cerca de 13 milhões de pessoas que entram no mercado de trabalho indiano anualmente.

A Índia é um dos piores países do mundo no incentivo a empresários. Na categoria sobre a facilidade de abrir um negócio, a Índia é o número 166 numa lista de 183 países, na frente de Angola, de acordo com dados do Banco Mundial lançados recentemente. Apenas um país, o Timor-Leste, é pior no cumprimento de contratos.

No geral, as empresas indianas ainda estão concentradas em conglomerados bem-conectados formados há várias gerações. Um pequeno grupo de indianos controla 80% do mercado de ações de capitalização e as grandes empresas têm um acesso privilegiado às terras e contratos com o governo, de acordo com um relatório do Banco Asiático de Desenvolvimento de 2009.

Alva, o empresário de raio X, diz que funcionários do governo pediram subornos para tudo — desde acelerar a autorização para abrir um negócio até para resolver o que ele chama de falsa alegação de trabalho infantil.

Não foi possível verificar suas alegações. Alva diz que as tentativas de extorsão aconteceram verbalmente, portanto não há nada escrito.

Suas afirmações, no entanto, seguem um padrão. Cerca de 80% dos empresários indianos dizem que a corrupção está piorando, de acordo com uma nova pesquisa do Instituto Legatum, um centro de estudos de Londres.

Alva enfrentou outros desafios além de bandidos. Um banco aprovou um empréstimo de US$ 1,3 milhão, mas reteve a maior parte do dinheiro durante meses, por causa das alegações contra Alva. Devido à falta de fundos, Alva diz que fez empréstimos com agiotas a juros anuais de até 48%.

Veerappa Molly, ministro para Assuntos Corporativos da Índia, reconhece que os regulamentos indianos são voltados para conglomerados. "Há uma tendência de cuidar só dos problemas das grandes empresas", diz Molly, acrescentando que pretende reduzir a burocracia tornando mais fácil o registro de novos negócios.

Atualmente, por exemplo, pode demorar semanas só para aprovar o nome de uma empresa nova, em parte porque as autoridades devem se certificar de que o nome tenha algo a ver com o produto. Este ano, uma empresa de jogos para celular que desejava se chamar Kratos, como o deus grego da força, foi rejeitada porque seu produto não tinha nada a ver com mitologia, de acordo com um executivo da empresa.

Depois a empresa escolheu o nome Arkanea, inspirado num dos planetas do filme "Star Wars". Desta vez, o governo disse que sim. O ministério não respondeu a um pedido de comentário.

Empresários também enfrentam obstáculos sociais numa sociedade que tende a repelir a tomada de riscos. Sidhartha Bhimania, um engenheiro químico de 28 anos de idade, que fundou EnNatura, uma fábrica de tintas ecológicas perto de Nova Delhi, tem procurado uma noiva através de um casamento tradicional arranjado. Ele diz que sogros em potencial não gostam de sua carreira.

"Você pode garantir que terá sucesso?", um pai perguntou a ele recentemente.

Bhimania não pôde garantir. "O fracasso é temido e desaprovado", diz ele.

As empresas iniciantes podem fracassar por causa de problemas básicos, segundo o que Alva, 44 anos, aprendeu com sua empresa de raios-X, a Skanray Technologies. Nascido no sul do Estado de Karnataka, Alva estudou engenharia e conseguiu um emprego em 1999 numa unidade de raio X da General Electric Co., na cidade de Bangalore. Depois de trabalhar na GE em Milwaukee, nos Estados Unidos, ele voltou em 2007 para sua cidade natal de Mangalore, na costa ocidental da Índia.

Lá, teve a idéia de produzir dispositivos médicos de alta qualidade a preços mais acessíveis. A necessidade era clara. Três quartos dos equipamentos médicos indianos são importados e muito caros para clínicas em cidades menores ou em áreas rurais, de acordo com um relatório da consultoria Deloitte publicado no ano passado.

Alva decidiu se estabelecer na cidade vizinha de Mysore, que tem 800.000 habitantes. Seu objetivo era abrir uma fábrica em meados de 2008. Em março de 2007, ele apresentou seus planos a uma agência estatal que aprova propostas de investimentos.

Chamada Karnataka Udyog Mitra, a agência é geralmente considerada acima da média para novos empreendimentos. Mas ela se recusou a aceitar o pedido quatro vezes por causa de tecnicalidades — uma delas porque Alva descreveu sua fábrica em pés em vez de metros quadrados. A aprovação levou cerca de um ano.

Um funcionário da agência não respondeu a um pedido de entrevista.

Alva diz que viajou várias vezes para a capital, Bangalore, para reclamar com o ministro da Indústria do Estado, Katta Subramanya Naidu. Em sua terceira visita, segundo Alva, o assistente de Naidu indicou que pagar uma taxa especial iria acelerar as coisas.

Alva viu a sugestão como um pedido de suborno. Ele diz que gritou ao oficial, "que jogo é esse você está jogando?"

Naidu não é mais o ministro da Indústria do Estado de Karnataka. Ele foi preso no início deste ano sob acusação de alocação de terras para empresas em troca de propinas em casos não relacionados a Skanray. Ele está em prisão preventiva aguardando julgamento.

Naidu negou irregularidades e seu advogado não quis comentar. Um porta-voz para o atual ministro da Indústria também não quis comentar o assunto.

Em julho de 2010, quase dois anos depois do planejado, Skanray abriu sua fábrica. O escritório, num edifício de vidro de três andares e 80.000 metros quadrados, com ginásio e refeitório, dá a sensação de estar num ambiente de trabalho urbano americano, mesmo com os rebanhos de cabras pastando do lado de fora.

Alva sente que já contornou a pior fase. Ele não quis comentar seu faturamento, mas diz que tem cerca de US$ 3 milhões em encomendas. Suas máquinas de raio X dental de US$ 2.500 custam cerca de metade das importadas. Seu objetivo é chegar a US$ 30 milhões em vendas em três anos.

Mas ele precisa de novos financiamentos — e não será fácil.

Em dezembro do ano passado, o representante de uma empresa de capital de risco apoiada pelo fundador da eBay Inc., Pierre Omidyar, abordou Alva. O investidor, Jasjit Mangat, diz que ficou impressionado com a fábrica de Skanray. Mas depois de analisar melhor a empresa ficou sabendo da batalha sobre o terrenos, os acordos ruins que Alva foi abrigado a fazer com credores e as restrições impostas pelo investidor local.

Durante um almoço em Bangalore, Mangat relatou a Alva sua decisão. "Há boas razões para fechar negócio", disse. Mas, dada toda a bagagem da Skanray, "simplesmente não podemos seguir em frente". Fonte: The Wall Street Journal.

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