20110829

CEO do Google ensina como empilhar clichês corporativos


Quando Larry Page optou por gastar US$ 12,5 bilhões em dinheiro do Google com alguns aparelhos de telefone móveis, patentes e consoles conversores de sinais de TV digital, ele descreveu seu pensamento do seguinte modo: "Juntos, vamos criar maravilhosas experiências para o usuário que vão turbinar todo o ecossistema Android em benefício dos consumidores, parceiros e desenvolvedores. Estou ansioso para dar boas vindas aos Motorolans para nossa família de Googlers". Essas palavras foram repetidas inquestionavelmente por jornais do mundo inteiro, mas parece que ninguém parou para perguntar: o que ele está querendo dizer?

No Twitter, poucas pessoas deram bola para os "motorolans" e os "googlers". "É algum filme B de ficção científica da década de 1950?", tuitou alguém. Fora isso, o comunicado de Page passou batido. À primeira vista, ele parece ter sido redigido em inglês. No entanto, uma análise mais cuidadosa mostra que ele está destituído de qualquer significado: andei tentando traduzi-lo para uma linguagem mais simples, mas não consegui.

O motivo de ele ter sido assimilado tão facilmente é que, se você ignorar palavras como "o" e "nós", a mensagem é quase 100% clichê. Na verdade ele se enrolou tanto num espaço tão apertado que vale a pena um desmembramento palavra por palavra, para tentar encontrar algum significado na mensagem.

Juntos. Isso leva a mensagem ao início comovente, inclusivo e democrático. Todos os takeovers precisam ser vistos em termos de sentimento de grupo, mesmo quando, assim como na aquisição da Motorola Mobility, eles são defensivos e envolvem mais patentes que pessoas. Criar. Este é o verbo do momento, sempre preferido a "fazer", "produzir" ou "vender", uma vez que é muito mais criativo, digamos.

Maravilhosas. Nada pode ser mais maravilhoso do que o uso deste adjetivo aqui. A única coisa maravilhosa é o quanto ele é inadequado. Maravilhar significa "incutir grande emoção ou espanto súbito", mas quando saio para comprar um telefone celular, espanto súbito e grande surpresa não estão no topo de minha lista.

Experiências do usuário. Estou considerando essas duas palavras como um par, e um par miserável. O que é exatamente experiência do usuário? Você está tendo uma experiência de usuário enquanto lê esta coluna? Caso sim, espero que ela esteja sendo maravilhosa.
Turbinar. Parece que nenhum líder moderno, ou pelo menos nenhum do sexo masculino, consegue resistir à ideia de aumentar a potência em tudo o que fala, mesmo que a coisa por si não tenha sido desenvolvida para isso. Na semana passada, o primeiro-ministro britânico David Cameron disse que queria colocar "propulsores de foguetes" sob a previdência social, o que soa um esquema fraquinho para mim.

Ecossistema é ainda menos adequado para receber uma potência adicional, uma vez que a questão em relação aos ecossistemas é que eles geralmente gostam de ser deixados em paz. De qualquer maneira, trata-se de uma metáfora esgotada e particularmente nada útil que, como DNA, deveria aludir a algo elementar e natural, enquanto que softwares de telefones móveis certamente não são uma coisa natural.

Todo. Em comunicados deste tipo, tal ênfase nunca é demais. Não importa que nesse caso se trata de algo sem sentido, uma vez que um ecossistema é, por definição, inteiro, todo, e não vem em metades. Benefício. Não há nada errado com essa palavra, embora se possa questionar seu uso aqui. O ponto principal do negócio certamente não é beneficiar os consumidores, certamente é fazer dinheiro e misturar as patentes.

Parceiros. Essa palavra passa a ideia de que as empresas com as quais o Google faz negócios têm os mesmos interesses que ele. Na verdade, os "parceiros" aos quais o Google atualmente fornece seu "ecossistema" Android certamente estão sentindo muito medo com um negócio em que o Google passa a controlar um de seus concorrentes.

Família. Se o Google é uma família, Larry Page é o pai? Nesse caso, ele se arriscou demais ao ter 29 mil filhos sob sua guarda no Google e agora ao adotar mais 19 mil. Isso é um feito maior que o de Angelina Jolie. O problema com as famílias é que você não pode escolhê-las, você divide as toalhas e o creme dental, você se parece com elas, você as ama e as odeia e tem a obrigação de passar a ceia de Natal com elas - sendo que nada disso se aplica aos "googlers" e aos "motorolans". A metáfora da família é válida em uma coisa: quando outra família é adquirida por casamento, os filhos adotivos certamente vão odiar uns aos outros.

Ao pensar nesses clichês de negócios desgastados, tive uma revelação súbita. Você pode colocá-los numa ordem diferente e o significado é o mesmo. Considere isto: "Consumidores, parceiros e desenvolvedores vão, juntos, turbinar todas as experiências dos usuários para criar um benefício maravilhoso à família Android de ecossistemas." Desafio qualquer um a dizer que isso não é tão bom quanto a frase original. Na verdade, acho até que prefiro esta segunda. Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times".

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