20120501

Na nova ordem mundial, a palavra-chave é flexibilidade

Em março, o governo de Mianmar – uma junta militar paranóica, há tempos destituída e isolada, que atua num enclave fortificado no meio da selva – anunciou que permitiria eleições locais genuinamente livres pela primeira vez em mais de 20 anos. Em abril, os generais mantiveram a palavra, a oposição obteve uma grande vitória e os governos ocidentais rapidamente começaram a agir para afrouxar as sanções comerciais contra o país.

O que inspirou essa radical mudança de posição? Mianmar está emergindo do gelo para garantir alternativas. O país quer diminuir sua crescente dependência da China. A exemplo de um número crescente de países desenvolvidos e em desenvolvimento, Mianmar reconhece a urgente necessidade de firmar laços mais abrangentes de comércio e na área de segurança.

Entramos em algo que gosto de chamar de mundo "G-Zero": um mundo no qual nenhuma nação sozinha (nem mesmo os EUA) ou aliança de governos (certamente não o G-7 ou o G-20) possui uma musculatura política e ecônomia capaz de ditar a agenda internacional. Nesta nova ordem mundial descentralizada, crescimento não basta. Um país também tem de ter resiliência — o poder de variar, ou, em inglês, de "pivot".

Que países estão melhor posicionados para variar nessa emergente nova ordem mundial?

O Brasil, que recentemente superou o Reino Unido como a sexta maior economia do mundo, tem várias vantagens promissioras. Com uma classe média de mais de 100 milhões de pessoas, abriga o maior mercado consumidor da América Latina. Seu governo, liderado por um partido de esquerda, estabeleceu um consenso nacional em favor do mercado — e políticas econômicas amigáveis ao investidor. Apesar de as grandes reservas de petróleo em águas profundas, descobertas em 2007, provavelmente garantirem que o país se tornará líder na exportação de energia, sua economia é bem diversificada.

Mas há outro fator crucial que fortalece a resiliência do Brasil: seu governo e suas principais empresas desenvolveram fortes laços com vários parceiros robustos. Por 80 anos, o Brasil olhou primeiro para os EUA. Durante a década passada, porém, suas importações da China cresceram 12 vezes e as exportações saltaram 18 vezes. No início de 2009, o comércio com a China superou o comércio com os EUA, ajudando o país a navegar a recente desaceleração americana sem grandes problemas.

A discussão da integração da Turquia na União Europeia não está levando a lugar algum, mas Ancara está ativamente expandindo sua influência internacional. A entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte deu voz à Turquia na Europa e influência em Washington. É um mercado emergente que ganha importância, com renda per capita que é quase o dobro da da China e quatro vezes a da Índia. Muitos no mundo árabe olham para a Turquia como um Estado muçulmano moderno e dinâmico. Adicione a isso sua posição no meio da Europa, Ásia, Oriente Médio e da ex-União Soviética, e a Turquia é um modelo de um importante Estado pivô moderno.

A África se tornou um continente que tem essa agilidade. Entre 2000 e 2010, seu produto interno bruto real cresceu 4,7% ao ano, e os africanos agora gastam mais em produtos e serviços que os indianos, uma população de porte semelhante. Investimentos diretos estrangeiros na África mais que quintuplicaram desde 2000.

Durante anos, os Estados Africanos descapitalizados tinham de voltar-se quase que exclusivamente para o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e governos do Ocidente em busca de ajuda financeira. Em muitos casos, aceitaram ajuda do Ocidente com profunda relutância, porque ela frequentemente vinha atrelada a exigências de reformas democráricas e mais abertura para investimentos ocidentais. Mas, só em 2010, o comércio da China com a África cresceu mais de 43%, de acordo com dados oficiais chineses, e o país substituiu os EUA como maior parceiro comercial da África.

A África pode agora esperar que multinacionais e companhias estatais de países desenvolvidos e em desenvolvimento briguem para ter acesso aos consumidores africanos, assim como termos mais favoráveis de investimento. Esta não é a história de uma derrota do Ocidente para a China, porque ambos continuarão lucrando na África. Os vencedores aqui são todos os novos resilientes governos africanos.

A Ásia abriga vários Estados pivôs. A Indonésia, com a quarta maior população mundial, goza de um ambiente político estável, com crescimento sólido e uma economia bem diversificada. Seus laços comerciais são bem balanceados entre a China, os EUA, o Japão e Cingapura — e devem continuar assim. O Vietnã recebe a maior parte de sua ajuda do Japão, suas armas da Rússia e seu maquinário (e turistas) da China, e seu principal mercado exportador são os EUA.

A pequena Cingapura prova que o tamanho de um país não limita suas alternativas internacionais. A ilha que é uma cidade-Estado localiza-se estrategicamente na embocadura do vital Estreito de Malaca. Seu PIB per capita está entre os mais altos do mundo. O desemprego ronda na faixa dos 2%. O governo de Cingapura tem trabalhado para conciliar a cultura oriental e as práticas de negócios ocidentais, e o país é agora o quarto maior centro financeiro o mundo, atrás de Londres, Nova York e Hong Kong. Muitas empresas estrangeiras interessadas em estabelecer negócios na Ásia buscam uma base que permita que tenham acesso a todas as fortes economias da região sem uma concentração excessiva em nenhuma delas, e Cingapura tem esse perfil.

Encravado entre a Rússia e a China, o Cazaquistão já está lucrando com sua posição de Estado capaz de variar. Ele tem uma das economias que crescem mais rapidamente no mundo, graças principalmente às exportações em larga escala de petróleo, metais e grãos, que ajudam a garantir que o país não dependa tão fortemente do comércio com a Rússia, seu vizinho na ex-União Soviética, ou da China. Almaty, a maior cidade do país, tornou-se um importante centro financeiro regional. Apesar de o Cazaquistão integrar a Organização de Cooperação de Xangai (em inglês, "Shanghai Cooperation Organization"), um pacto de segurança que inclui Rússia e China, seu maior parceiro comercial é a União Europeia.

Nem todos os Estados nessa categoria são mercados emergentes. O Canadá permanece vulnerável à desaceleração dos Unidos Unidos, apesar de hoje não ser mais tão vulnerável como costumava ser — e não está tão exposto quanto o México. As exportações do Canadá para países que não os EUA saltaram de 18% em 2005 para mais de 25% apenas quatro anos depois, e o Canadá agora tem cerca de 40% das suas importações vindas de outros países que não os EUA.

Além disso, a economia do Canadá é bem diversificada. Como o México, o país exporta grande volume de petróleo. Mas também produz uma quantidade substancial de gás natural, máquinas industriais, autopeças e madeira e vende esses produtos para vários mercados consumidores diferentes. A principal fonte de moeda estrangeira do México vem da venda de petróleo, turismo e das remessas dos mexicanos que vivem no exterior. Em todos os três casos, a vasta maioria dos recursos vem dos EUA. O fato é que sua economia está estreitamente ligada à saúde do seu gigante vizinho.

Nos próximos anos, esqueça os tão discutidos grupos artificais como os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e os chamados "Next 11" , o rol de potenciais usinas de força que inclui a Turquia e a Coreia do Sul, mas também barris de pólvora políticos como o Paquistão, a Nigéria e o Irã.

No nosso mundo emergente G-Zero, sem um único poder capaz de determinar a agenda, os vencedores e os perdedores da próxima geração serão determinados não pela rubrica do momento mas por como e com qual frequência eles serão capazes de atuar como pivôs.

Mr. Bremmer é presidente da Eurasia Group, empresa de pesquisa e consultoria em risco político global. Seu artigo é adaptado do seu novo livro "Every Nation for Itself: Winners and Losers in a G-Zero World", (em tradução livre, "Cada Nação por Conta Própria: Vencedores e Perdedores em um Mundo G-Zero"). Fonte The Wall Street  Journal
Narciso Machado

NCM Business INtelligence

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